O ano de 2020 começou com expectativa alta para o publicitário Ricardo Gonçalves, 59 anos. Com ao menos duas dezenas de grandes eventos programados, ousou uma meta: faturaria R$ 1 milhão com sua empresa. A pandemia derrubou os planos.
– Era o ano para arrebentar. Mas fechamos com prejuízo de quatro dígitos - calcula.
Josielle da Costa dedicou oito dos 36 anos de idade à aviação. Comissária de bordo na companhia aérea Azul, também viu a carreira ser prejudicada pela crise.
– O número de demissões foi assustador - afirma.
Sem perspectiva de retomar a antiga ocupação, os amigos uniram um prazer em comum: cozinhar. Desde o início de abril, reinventaram-se para vender almoços que são entregues em marmitas de isopor.
O cardápio é variado, e cada refeição tem em torno de 600 gramas. Nhoque com carne de panela, arroz colorido de legumes e verduras; cubos de frango gratinado com alho poró, arroz branco e batata doce assada; escalopes de alcatra com molho madeira ou strogonoff – o prato de cada dia tem um preparo especial, segundo o empreendedor:
– A gente faz com cuidado, como se cozinhasse para nós. Tem um toque gourmet, com alimentos frescos, e por um preço justo para quem não tem tempo de fazer o almoço.
Na manhã desta segunda-feira (19), a reportagem de GZH acompanhou o início do preparo dos alimentos, antes das 8h – o pai de Ricardo, dono da cozinha utilizada pelos empreendedores, almoça rigorosamente ao meio-dia, e tudo precisa estar liberado logo após as 11h.
Para o preparo, o empresário e a comissária têm à disposição uma acolhedora área da residência, no morro Santa Tereza, zona sul de Porto Alegre. Utensílios da própria família, mesa de madeira e um fogão caseiro com quatro bocas, de forno convencional, são usados pela dupla.
O valor das quentinhas é de R$ 20. No preço, está incluída a entrega, desde que em locais próximos ao morro Santa Tereza - demais locais, a taxa é negociada. Quem leva é o próprio cozinheiro, para garantir que a embalagem não sofrerá qualquer dano no caminho.
– Nunca imaginei fazer isso, mas preciso trabalhar. Por enquanto pode não ser uma grande fonte de renda, mas mantém a mente ocupada, coloca a cabeça pra funcionar - defende Gonçalves.
Os sócios querem ainda ter uma máquina de cartão de crédito. Atualmente, o pagamento é por transferência bancária via Pix, uma forma de evitar contato para não correr o risco de disseminar o coronavírus.
Outro objetivo é adquirir um fogão industrial, possibilitando ampliar a capacidade de produção. A contratação de uma terceira pessoa para ajudar no preparo também é estudada, caso a demanda cresça.
– Exige mais do nosso esforço, mas totalmente necessário a gente se reinventar. E entregar comida, entregar sabores, é uma arte também - compara Josielle.
Em março, o publicitário fez um post no Facebook, desabafo que gerou uma rede de apoio de quem sofre situação semelhante devido à suspensão de festas e cancelamento de contratos.
Especialista em marketing, o agora chef relembra os eventos com grande público no passado. De executivo de contas em veículos de comunicação, foi responsável por campanhas de uma rede de fast food internacional. Com a abertura da própria agência, a InventoAll Eventos e Negócios, alcançou autonomia para manter a casa e os custos com a faculdade dos dois filhos. O desejo é retomar essa companhia quando a pandemia estiver controlada, período chamado de “hibernação”.
Na Comidaria Posati & Aromi, tudo é novo. E incerto. Mas eles são otimistas.
– Isso tudo vai passar. A gente já teve crises de todos os tipos. Tendo saúde, recuperamos - garante o empresário.
Ainda sem um telefone próprio da empresa, o contato com os empreendedores é pelo WhatsApp pessoal: (51) 9-9908-0262 ou (51) 9-8553-6481. No perfil deles no Facebook, há fotos das refeições preparadas.