O cruzamento da Rua Quintino Bocaiúva com a Marquês de Herval faz uma das tantas esquinas pacatas do bairro Moinhos de Vento. Entre os que caminham por aquela calçada, até tem gente que lembra o que aconteceu ali na frente do Edifício Cristine há 32 anos. Mas são poucos.
- Eu moro aqui desde 1980, já estava no bairro. Mas não se fala mais disso - responde um engenheiro de 75 anos, que não quis dizer seu nome: - Não quero me meter nisso.
Por volta das 22h20min do dia 4 de junho de 1988, o deputado José Antonio Daudt estacionou seu Monza num posto próximo de casa e atravessou a Rua Quintino Bocaiúva rumo ao Edifício Cristine. Levava na mão esquerda um exemplar da Zero Hora dominical. Na direita, o 38 no coldre.
Quando chegou ao portão do prédio, caiu no chão. Ele levou dois tiros de espingarda. Morreu no Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre à 0h40min da madrugada mais fria do ano. O assassino nunca foi preso.
Daudt era um radialista muito conhecido no Rio Grande do Sul, eleito deputado estadual em 1986. Era um dos nomes mais combativos da comunicação e da política gaúcha. Fazia denúncias fortes, estremecendo suas falas com sonoros socos na mesa. A morte dele deu início a uma das mais intricadas investigações da polícia gaúcha e a um julgamento que parou o Estado por três dias.
O principal suspeito do homicídio era Antônio Carlos Dexheimer Pereira da Silva, também deputado e um dos seus melhores amigos. Dexheimer tinha arma de caça e automóvel semelhante ao visto na cena do crime.
Daudt teria confidenciado, dois dias antes de morrer, que estava sendo seguido pelo colega. O motivo seria passional: Dexheimer estaria com ciúme de Vera, de quem se separara havia três meses, imaginando que a ex-mulher se envolvera com Daudt.
Dexheimer se sentou no banco dos réus no dia 20 agosto de 1990. Por ser deputado, foi julgado por 21 desembargadores. Os debates, transmitidos por rádio e TV - era a primeira vez no país que um tribunal permitia a transmissão ao vivo da sessão.
Foram 14 votos pela absolvição (oito por falta de provas e seis por entender que o réu não cometeu o crime) contra sete pela condenação. O 14º voto de absolvição foi proferido às 2h de 23 de agosto de 1990 pelo desembargador Tupinambá do Nascimento:
- Até o ano de 2008, quando completar 20 anos do crime, ainda dá para encontrar quem matou.
O crime, de fato, prescreveu em 2008. Mas até hoje não houve a confirmação de quem matou o deputado.
Que lugar é este?
Esta matéria faz parte do especial "Que lugar é este?", que começa como uma provocação aos leitores do jornal Zero Hora e das redes sociais de GZH a partir do detalhe de uma foto para, então, ter a história do local ou dos personagens envolvidos contados no site.
A seguir, ouça os episódios do Arquivo Gaúcha - A Memória Viva do Rádio, de 2015, lembrando a cobertura do Caso Daudt: