A desembargadora Vânia Hack de Almeida, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), suspendeu a reintegração de posse do Quilombo Lemos. Em despacho desta quinta-feira (16), ela reconsiderou decisão sua de novembro, quando havia declarado que não cabia ao seu tribunal deliberar porque o caso fora transitado em julgado pela Justiça Estadual. O despejo dos moradores, na Avenida Padre Cacique, em Porto Alegre, estava previsto para o mês de janeiro.
A decisão resultou de um agravo interposto pelo Ministério Público Federal. Liminarmente, a desembargadora entendeu que a Justiça Federal pode conhecer o recurso do MPF em favor da comunidade do Quilombo Lemos em virtude da urgência do pedido, por conta do novo cenário da pandemia em Porto Alegre.
Quem pede a reintegração de posse da área onde moram cerca de 30 pessoas é o Asilo Padre Cacique, que informou que vai avaliar a situação e estudar as providências a serem tomadas.
"Temos a mais absoluta convicção de que jamais existiu quilombo algum naquela área. Há uma mera autodeclaração dos posseiros de que o local seria um quilombo. Aliás, esta afirmação (de ser o local quilombo) é uma novidade no processo É mais uma manobra procrastinatória, como restará provado tanto neste processo como na esfera criminal, já inaugurada por iniciativa do presidente do Asilo", afirmou o advogado do Asilo, Artur Garrastazu, à reportagem.
O Quilombo Lemos se pronunciou por meio de nota. Nela, comemora “mais uma batalha vencida”, mas também alerta: “trata-se de uma decisão parcial, porém muito importante, sendo que será ainda aguardada a decisão de mérito nos Agravos do Asilo e dos agravos da Comunidade Quilombola, da Defensoria Pública da União e do Ministério Público Federal”.
O Quilombo Lemos fica ao lado do Padre Cacique. A área é ocupada por filhos e netos de Délzia Gonçalves de Lemos e Jorge Alberto Rocha de Lemos, já falecidos. Eles eram funcionários do asilo. Segundo relatório produzido pelo Núcleo de Estudos de Geografia e Ambiente da UFRGS, o casal mudou-se para a área por volta de 1964, vindo do bairro Lomba do Pinheiro, para morar mais perto do trabalho.
Em 12 de novembro de 2018, a Fundação Palmares emitiu a certidão de autodefinição quilombola da comunidade, iniciando também os trâmites para o processo de titulação do território junto ao Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra). Porém, desde o começo do governo de Jair Bolsonaro, não houve avanço junto à autarquia federal para a obtenção do título de propriedade coletiva ao quilombo.
Inicialmente, o objetivo do Asilo Padre Cacique era a construção de um Centro de Convivência para os idosos no local. No ano passado, quando o caso foi enviado para a Justiça Federal, suspendendo a reintegração de posse, a assessoria do asilo divulgou um texto em que se referia à área como “uma casa da zeladoria existente dentro do terreno do Asilo”.
Nele, a instituição acusa de haver no Brasil “uma série de grupos oportunistas que, vislumbrando a possibilidade de obter proveito próprio, passaram a pleitear o reconhecimento de falsas comunidades remanescentes de Quilombo”.
O advogado do Quilombo Lemos, Onir Araújo, afirmou que "são descabidas essas alegações, além de levianas, e não merecem maiores considerações além daquelas presentes nos autos". Ele afirma ainda que algumas "informações caluniosas" do presidente do asilo, inclusive com ameaças às lideranças do Quilombo, foram objeto de ocorrência junto à Polícia Federal.