Apesar de o isolamento social só ter começado a fazer parte da vida da população em meados de março deste ano, é desde antes que a realidade de reclusão acompanha o músico Ricardo Farfisa, 42 anos. Para ele, a casa localizada no bairro Parque dos Maias, em Porto Alegre, tornou-se refúgio em setembro de 2019, quando recebeu o diagnóstico de distonia focal. O problema de saúde — um distúrbio neurológico que provoca contrações e movimentos involuntários que, nele, afetou a mão esquerda — afastou-o do trabalho de mais de 25 anos nos palcos e trouxe dificuldades para exercer tarefas simples da vida cotidiana, além da tristeza expressa no desejo de não mais ultrapassar os limites de seu lar.
Os sinais iniciais da doença, que ficou conhecida no Brasil por atingir o pianista e maestro João Carlos Martins, começaram a aparecer em 2016. Tecladista com passagem por diversas bandas do rock gaúcho, foi comandando o instrumento que Farfisa sentiu as dificuldades impostas pela "mão com vida própria" pela primeira vez. Em meio a inúmeras tentativas falhas de descobrir o que tinha, o diagnóstico demorou três anos para ser conclusivo. O trabalho, porém, tinha que continuar.
— Sou músico, tinha que fazer show, tinha que me manter, então era um desespero. Algumas pessoas perguntavam que técnica era aquela da "mão de aranha" que eu estava usando para tocar. Eu enrolava, não podia falar que estava doente, porque poderia perder trabalho — relembra o músico que, por conta do problema de saúde, passou a tocar usando apenas dois dedos da mão esquerda.
"Quero existir de novo"
Com o fim da saga pela busca do diagnóstico, uma luz no fim do túnel chegou a se acender — mas logo apagou. Isso porque a descoberta da distonia significou um basta às dúvidas, mas também trouxe para a vida do músico a realidade de uma doença pouco conhecida e sem certeza de cura. Além disso, a necessidade de deixar de fazer o que mais amava — e que, de quebra, lhe garantia o sustento.
— O palco sempre foi o meu templo. Meu dia poderia ter sido horrível, eu poderia estar com todos os problemas do mundo, mas no palco tudo se resolvia. Então, quando descobri, pensei: cara, minha vida acabou — relembra o tecladista, que chegou a enfrentar um quadro depressivo após a descoberta.
Hoje, passado mais de um ano do diagnóstico, Ricardo aprendeu a conviver com o problema de saúde de forma bem-humorada e vem lutando por um tratamento que possibilite a retomada do trabalho com a música. Nos braços de familiares e amigos, o tecladista encontrou o tom para seguir tocando a vida — ainda que, por ora, não possa voltar aos palcos para tocar um instrumento. O sonho, porém, permanece sob os holofotes da cena musical:
— Quero tocar, quero ir para o palco, quero existir de novo.
Vaquinha traz esperança de melhora
Sem um tratamento específico, a cura para a doença é uma incógnita. Para o caso de Ricardo, os protocolos mais promissores passam por ciclos de aplicação de toxina botulínica, uso de medicamentos, adoção de dieta específica e sessões de fisioterapia e terapia ocupacional. O pedido para realização do tratamento via SUS chegou a ser encaminhado, ainda no ano passado, mas não avançou.
Sem poder trabalhar e enfrentando dificuldades até mesmo para sobreviver, pagar pelos procedimentos não era uma opção. Mas, diante do incentivo de amigos, o músico decidiu criar uma campanha de arrecadação em prol do custeio do primeiro ciclo do tratamento — que deve durar 27 meses, custando cerca de R$ 60 mil.
Graças às contribuições em sua vaquinha virtual, ele conseguiu dar início ao processo e passou pela primeira aplicação de toxina botulínica, ainda no ano passado. Contudo, com a chegada da pandemia, as doações diminuíram, a necessidade só aumentou, e o tratamento precisou parar.
— Durante a pandemia, minha prioridade teve que ser sobreviver. Tenho que fazer a segunda aplicação da toxina, mas não deu. Infelizmente, tudo envolve dinheiro — relata o músico, que tem contado com o Auxílio Emergencial e apoio de amigos e familiares para se manter.
Para que as intervenções médicas tenham continuidade e Ricardo possa recuperar sua qualidade de vida, as doações na campanha de arrecadação são fundamentais. Sonhando com a retomada do tratamento e o avanço nos resultados, o músico projeta seu desejo para o próximo ano:
— Minha meta é poder dizer para quem me ajuda: pessoal, muito obrigado pela ajuda de vocês, estou melhorando!
Apoio de renome internacional
Doença conhecida por atingir o pianista e maestro João Carlos Martins, a distonia foi o fator que ligou a vida do tecladista gaúcho a do expoente da música clássica brasileira. Farfisa, que já acompanhava a trajetória do maestro, surpreendeu-se ao descobrir o diagnóstico comum:
— Antes mesmo de saber da minha doença eu acompanhava a vida dele, porque admirava. Aí, descubro que tenho a mesma doença que ele, que era a única referência que eu tinha sobre isso.
A ligação dos dois, contudo, foi além da admiração de um fã e do posterior diagnóstico compartilhado. Por intermédio do filho de João Carlos Martins, a história de Farfisa chegou aos ouvidos aguçados do maestro, que decidiu somar-se à luta do tecladista gaúcho. O primeiro apoio veio pela facilitação do contato de Farfisa com o inventor da chamada "luva biônica" — acessório que, por meio de hastes, reprime a torção e os movimentos involuntários causados pela distonia, facilitando o dia a dia dos distônicos.
Criada especialmente para o tratamento do maestro, a "luva biônica" não promove a cura da doença, mas foi o que permitiu que João Carlos Martins voltasse a entonar notas sobre o piano. Hoje, Farfisa também utiliza uma versão adaptada ao seu caso, que, se combinada ao restante do tratamento, pode trazer resultados promissores.
Por esta razão, João Carlos Martins decidiu ajudar também na campanha de arrecadação pelo tratamento do tecladista. Em apoio à vaquinha, o maestro gravou um vídeo no qual pede por doações para Farfisa, além de prestar elogios ao talento do músico.
— Como a doença não é muito conhecida, algumas pessoas duvidaram. Rolou um preconceito por ser músico também. As pessoas julgam, acham que é coisa de quem não quer trabalhar. Mas quando veio o apoio do maestro, todo mundo calou. Se até o maestro está apoiando, vão falar o que? — brinca o tecladista, a respeito da repercussão do apoio recebido de João Carlos Martins. Ele complementa:
— O que ele fez por mim naquele vídeo, não é qualquer um que faria. E poxa, ele me elogia. Imagina ganhar um elogio do maestro.
Como ajudar
/// Em uma página no Facebook, Ricardo Farfisa relata sua luta contra a doença e os avanços do tratamento. Mais informações sobre a história do tecladista também podem ser obtidas por lá. Para conferir, clique aqui.
/// Para contribuir na vaquinha pelo tratamento, clique aqui. Outras formas de contribuição podem ser acertadas entrando em contato pelo Facebook.
Produção: Camila Bengo
- Confira o vídeo gravado pelo maestro João Carlos Martins: