Mães e pais sabem como é a expectativa para a chegada do primeiro filho. O medo, o receio, a ansiedade, a curiosidade para descobrir se é menino ou menina, os inúmeros preparativos, exames, enxoval e os (muitos) palpites alheios. Com a jornalista Mariana Baierle, 35 anos, e o bancário Rafael Martins dos Santos, 42 anos, o turbilhão de emoções veio somado à pandemia de coronavírus e a um elemento particular do casal: os dois têm retinose pigmentar, doença congênita degenerativa que causa deficiência visual e até cegueira total.
Mariana tem entre 5% e 10% de visão. Já Rafael enxerga de 15% a 20% com o olho direito e é cego do esquerdo. Ao contar animada sobre a gravidez, Mariana recebia perguntas como: "Teu marido enxerga?", "como vai ser quando a criança nascer?", "vocês vão ter alguém 24 horas ajudando?". Os questionamentos vinham de colegas de trabalho e da própria família. Será que eles seriam capazes de criar uma criança? Esta é uma dúvida que pode ser a de muitos pais, mas, no caso deles, sentiram que vinha com uma desconfiança maior.
Mariana e Rafael têm amigos com deficiência que são pais, mas sabem que, para muitos casais com deficiência, a falta de apoio é grande. O preconceito fez com que o direito de uma pessoa com deficiente à paternidade e à maternidade tivesse de ser garantido por lei no Brasil, com o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Rafael chegou a acreditar que jamais seria pai.
— Eu pensava: "Não posso ser pai, imagina, é uma irresponsabilidade… Uma criança!". O que eu enxergava não era para mim, era para os outros. Então, com o tempo, comecei a conhecer pessoas com deficiência e a minha médica mesmo disse que eu é que era muito preconceituoso — confessa.
Para Mariana, ter uma deficiência foi mais uma barreira a ser ultrapassada. Com baixa visão desde que nasceu, a jornalista nunca se sujeitou aos diversos "nãos" que recebeu. Como ela mesma diz, sair na rua já é um desafio, mas não iria deixar de fazer nada.
Natália, a filha do casal, nasceu no dia 10 de junho deste ano. Hoje com seis meses e 100% de visão, ela parece já compreender o que é acessibilidade. A sinergia com os pais é tão grande que a bebê encontrou o próprio jeitinho para se comunicar com os dois.
— Ela chegou meio que entendendo os pais que tem. E aqueles medos todos, a gente se dá conta que é mais por ser o primeiro filho, e não uma questão de incapacidade. Nossa consultora de amamentação dizia: "Fiquem tranquilos, vocês tendo amor, vai dar tudo certo" — comenta Rafael.
—Todo mundo diz que os filhos se adaptam muito aos pais. A Natália é muito sonora. Parece que é instintivo dela, a gente brinca que parece que ela vai falar antes, porque sabe que não adianta ficar apontando — conta Mariana.
Mesmo durante a gravidez, o casal não deixou de viver as mesmas emoções da espera. Mariana lembra a primeira vez que ouviram o coração da pequena batendo durante uma ecografia.
— O áudio do coração era uma das coisas mais emocionantes para nós.
O exame, que é muito visual, foi adaptado para eles graças à sensibilidade da médica.
— A doutora Bianca Balestro congelava a tela no final, pegava a minha mão e mostrava: "Aqui está o olhinho, aqui está a boquinha". Ficava me mostrando para eu tentar entender. A imagem da ecografia já é algo difícil, então ela ia descrevendo e me contando — relembra Mariana.
Os dois foram registrando todos os momentos do processo, e isso foi uma das razões para que Mariana decidisse transformar as memórias em um livro. Ela sentia que faltava explorar mais o universo feminino e a maternidade nas publicações que participava sobre acessibilidade. Com o título Maternidade e Deficiência Visual: do Sonho ao Nascimento de Natália, o livro é um relato sincero da jornalista sobre o que passou da gravidez até os primeiros dias após o nascimento. Para conseguir o investimento para publicar, Mariana fez uma campanha de venda antecipada entre os amigos (os detalhes para ajudar estão no blog Três Gotinhas, no qual ela já publica suas reflexões sobre a deficiência).
—Parece meio óbvio dentro do universo das pessoas com deficiência, mas para a sociedade em geral não é. É mais do que necessário mostrar que é possível, já que as pessoas ainda te colocam como incapaz, principalmente se é mulher. O que falta é entender que educar é muito mais difícil que do ser uma mãe com deficiência.