Até o último dia 25 de dezembro, os professores Camila e Nailton Menezes pensavam ter realizado um sonho: comprar uma casa com piscina. Moradores de um sítio em Morungava, distrito de Gravataí, o casal passou o pior Natal desde que se mudaram para o amplo espaço, com quiosque e uma piscina de três metros de largura por oito de comprimento. Em um momento de distração, o filho mais novo, Arthur, 3 anos, correu da área social para o pátio, e caiu na água.
– Ficamos procurando ele e, quando cheguei na piscina, já estava de barriga para baixo, boiando. Peguei no colo e estava roxo. Me desesperei - relembra o pai, 45 anos.
O professor de biologia fez as primeiras manobras de socorro, com tapas nas costas e respiração boca a boca, até que o filho retomou a consciência, cuspindo com dificuldade a água ingerida. A desobstrução das vias aéreas é apontada por profissionais de saúde como indispensável para evitar uma parada cardiorrespiratória, o que pode ser irreparável em alguns casos.
O primeiro telefone que veio à mente, para pedir atendimento ao menino, foi o número 190, de emergência da Brigada Militar. A polícia, de imediato, acionou os socorristas voluntários Anjos do Asfalto para chegar à RS-020, onde o rancho está localizado. Arthur foi atendido pelo paramédico Pedro Eltz, 24 anos.
– Consegui perceber que ele tinha pulso e respirava, mas estava bastante sonolento e respondia pouco aos estímulos. O primeiro atendimento foi ali, e depois fomos ao hospital. Creio que sem as manobras feitas pelo pai ele não teria sobrevivido - avalia.
O Anjos do Asfalto é um coletivo de atendentes sem retorno financeiro pelo trabalho, que presta atendimento em Cachoeirinha e Gravataí - em alguns casos o perímetro é ultrapassado, para não deixar os feridos desassistidos.
Arthur não havia aspirado quantidade considerável de água para os pulmões, uma intervenção que encontra pouca explicação científica, segundo a mãe do garoto.
– Foi um milagre. Toda água foi para o estômago, e com isso não ficou nenhuma sequela, e ele está aqui, correndo - diz a educadora de ensino infantil Camila, 30 anos.
No Hospital, os médicos questionaram se ele havia caído algum tombo, pois não havia sinal de afogamento, outro sinal que, para Menezes, aponta para o milagre sugerido pela esposa.
Os pais dizem que, a todo momento, a cena do filho caído na piscina vem à mente, e o local ficou maculado neste final de ano. Enquanto buscam recursos para cercar a estrutura, a família preferiu se manter distante do imóvel: passaram os últimos dias em um apartamento em Cachoeirinha.
– Ficou de alerta que quem tem criança precisa ter atenção redobrada. Eles não têm medo. O Arthur chega e corre para lá (para a piscina), a gente sempre acompanha, mas foi um instante e ele caiu - reforça a mãe.
Para cercar a piscina, serão necessários cerca de 40 metros de tela. Para conseguir o valor para pagar por material e mão de obra, o casal está vendendo eletrodomésticos de uso pessoal pelo Facebook, na mesma página em que eles realizam a campanha #todospeloBreno (o irmão de Arthur, de quatro anos, teve paralisia cerebral, e os custos mensais para as consultas médicas e outras despesas chegam a R$ 8 mil). Roupas também são comercializadas a fim de arrecadar dinheiro para a família, além de uma vaquinha online.
Na manhã desta quarta-feira (30), Arthur esbanjava energia ao correr do quarto para a sala do apartamento inúmeras vezes, em pouco tempo. Ainda de pijama, trocava constantemente os brinquedos pela mamadeira e fazia carinho no cachorro Snoopy. Segundo o pai, o garoto foi diagnosticado com autismo de nível leve há meio ano, o que tem tornado mais difícil deixar as fraldas. Ele também ainda não aprendeu a falar. Mas a característica mais marcante é notada facilmente: o carinho pelos irmãos, Breno e Davi, de 11 anos. Eles dormem abraçados em uma cama de casal, que parece pequena, apesar das dimensões.
Ouça a entrevista dos pais de Arthur à Rádio Gaúcha
Anjos do Asfalto
São acionados por moradores que presenciam acidentes, ou pelas forças policiais, através do telefone (51) 3421-1999. O serviço se iniciou em 2004. Sem qualquer retorno financeiro aos prestadores, o coletivo de socorristas se mantém através de cursos e palestras, além de ajudas de entidades.