Nos 15 mil metros quadrados do sítio onde vive com o marido e as duas filhas, Rejane Velho Ferreira, 47 anos, incluiu "alguns" animais de estimação, entre eles, aproximadamente 400 cães, das raças mais variadas — 99% vira-latas, como brinca a cuidadora. O "zoológico sem jaulas", no bairro Lami, extremo-sul de Porto Alegre, tem ainda em torno de 20 gatos, além de galos e galinhas, pássaros e dois cavalos.
A área, em um condomínio de propriedades rurais, foi adquirida em 2006, mesmo ano em que a contadora passou a se dedicar em tempo integral a atividade de socorro aos pets.
— Eu tinha 10 cães e seis gatos, e comecei a procurar uma casa para viver. Conheci isso, me apaixonei e foi tudo aumentando — relembra a protetora, com formação superior em ciências contábeis e "doutorado em recolher cocô", como define sua especialidade.
Para manter a estrutura, ela conta com voluntários que doam quantias espontâneas, destinadas aos bichos recolhidos da rua. São 250 nessa condição. Alguns, relembra com tristeza, foram retirados de lixeiras, em sacos plásticos.
— Infelizmente a gente encontra ninhadas abandonadas, outros são deixados aqui no portão do sítio. Não sei como alguém consegue fazer isso — lamenta.
Os outros 150 cachorros são apadrinhados, com o depósito mensal de R$ 200 efetuado por cada mantenedor. O dinheiro é usado na compra de ração, pagamento de consultas e procedimentos veterinários, medicações e custeio da folha de funcionários. Atualmente, sete profissionais mantém o local — três deles vivem no espaço, e outros quatro moram na região.
A comida dos animais — cinco toneladas a cada 30 dias — é o gasto principal, atingindo um terço das despesas. No total, o sítio custa R$ 45 mil por mês, em média, o que inclui a manutenção das máquinas e do terreno, consumo de energia elétrica e de produtos de limpeza. A contabilidade fecha em R$ 15 mil negativos, segundo Rejane, que apela por ajuda para continuar atendendo as quatro centenas de animais sem lar.
— Qualquer depósito ajuda. Mesmo quem tem pouco, pode doar R$ 5. Ou comprar um saco de ração. Tudo é bem-vindo — solicita.
As contas bancárias são divulgadas pelas redes sociais do "Sítio da Rejane", no Facebook ou Instagram. Os contatos também podem ser feitos pelo WhatsApp (51) 9-9808-4432, com ela ou com o marido, Daniel Konzen, 46 anos.
Bancário, ele integra a equipe de colaboradores. Diz ter partido também dele a ideia de transformar a casa em um espaço de acolhimentos aos animais rejeitados por outros tutores — se o visitante se comprometer a oferecer um lar com todos os cuidados, os bichos podem ser adotados.
— Nos conhecemos por uma amiga em comum, que também trabalha com animais. E hoje eu não troco isso. Parte da minha família mora em apartamento, eu visito, mas logo já quero voltar — afirma.
O sítio exibe organização mesmo com latidos incessantes na hora em que a primeira refeição do dia é servida. O "café da manhã" é colocado em um comedouro comunitário, disputado a tapas e mordidas leves. Os animais, embora agitados com a chegada da ração, se demonstram dóceis com os visitantes. O único estrago foi na roupa usada pela reportagem de GZH, que terminou o passeio com marcas de pata distribuídas por calças e sapatos.
Já os animais "idosos" ganharam um chalé próprio, carinhosamente chamado de asilo do sítio. Alguns dos protegidos na casa perderam a capacidade de andar, outros têm dificuldade de visão e demandam cuidado extra para se alimentarem. O mais antigo está com a família há 20 anos.
Os filhotes ficam em um cercado isolado. O impasse com os pequenos é levantado por Natália, de 10 anos, a filha mais nova do casal.
— Eles não estão para doação, não — informa a menina, contrariando a mãe.
Ao lado de Amanda, 11 anos, as irmãs brincam com os animais, levam parte para o quarto na hora de dormir, e demonstram até certa alegria ao dizer que, sem aulas presenciais na escola, podem passar mais tempo ao lado dos bichos. Morar em outro lugar é assunto proibido.
— Não quero — rejeita Amanda, com convicção.
As visitas à chácara ocorrem apenas por quem tem animais apadrinhados. A abertura ao público em geral, apenas para conhecer o espaço, é evitada, pois agita os cães. Apesar de manter distância entre as residências do condomínio, há um cuidado para não haver perturbação do sossego. Com estradas vicinais e árvores preservadas, o local preserva um ar interiorano.
Em 2018, Rejane publicou o livro O Melhor Cachorro do Mundo (editora Pragmatha), no qual narra sua experiência com os cães. O valor de venda tem referência com o gasto mínimo mensal de cada animal com alimentação: R$ 37,50.
Enquanto os bichos do sítio aguardam por um novo lar, e seguem vivendo em companhia de outros centenas, a família se diverte, mesmo que a aventura demande muito trabalho.
— Pensa em um coração bom o dessa mulher — define Yuiti Katsurayama, 54 anos, um dos tantos doadores voluntários do projeto.