Desde terça-feira (3), seis linhas de ônibus municipais passaram a ser operadas pela Carris, empresa pública de transporte de Porto Alegre. Os trajetos, até a data, eram de responsabilidade dos consórcios privados que fazem parte do sistema. Mas essa mudança não é novidade. Desde o início do ano e, principalmente, em razão de um acordo judicial, a companhia tem recebido a missão de tocar vários itinerários que não faziam parte de suas viagens.
O repasse foi feito pela Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), conforme a própria Carris. Atualmente, a companhia já opera 22 linhas que eram de responsabilidade dos consórcios privados. Sete itinerários iniciaram operação em maio, outros seis em julho e mais seis a partir desta semana. E outras três já eram operadas pela Carris desde dezembro do ano passado.
Essa mudança de operador tem duas razões. A primeira, mais comum, é o cumprimento da Câmara de Compensação Tarifária. Quando uma empresa custa menos do que sua participação no mercado em um ano, no ano seguinte, ela assume linhas para compensar sua operação dentro do sistema tarifário. Isso acontece entre todas as empresas.
Mas, no caso da Carris, também há outra razão. É o acordo judicial feito em setembro entre a prefeitura da Capital e os empresários do transporte público. No documento, entre várias obrigações de ambas as partes, o poder público aceitou mudar a forma de remuneração do serviço até o fim do ano. Em vez de receber por passageiro transportado, as empresas passaram a ser remuneradas por quilômetro rodado. E o Executivo se comprometeu a complementar eventuais diferenças entre custo e arrecadação. E é este déficit que está sendo coberto pelas operações da Carris assumindo linhas privadas.
Critérios para escolha
Conforme a EPTC, as linhas foram escolhidas por fatores como "a proximidade de terminais, rodagem das linhas, número de tripulações empregadas, entre outros aspectos". Mas o órgão gestor ressalta que não está usando a Carris "como retaguarda do sistema privado de ônibus durante a pandemia". A prefeitura também aponta que a companhia é uma "empresa de economia mista que tem o município de Porto Alegre como acionista majoritário".
Já há alguns anos, a empresa pública tem sua capacidade de operação colocada à prova constantemente, além de sua possível privatização ser um assunto que ressurge de tempos em tempos. Entretanto, com a queda brusca de passageiros gerada pela pandemia, que afeta fortemente as finanças das empresas privadas — e da própria Carris—, restou à instituição cumprir a obrigação constitucional de garantir o transporte público de quem não tem condições de se deslocar de outra maneira.
Mais barato que pagar em dinheiro
Engenheiro da Associação dos Transportadores de Passageiros da Capital (ATP), Antônio Augusto Lovatto explica que, pelo acordo judicial, a prefeitura teria de custear as diferenças entre custo e operação de qualquer maneira, inclusive com recursos públicos, se fosse o caso.
Como os funcionários da Carris são servidores públicos e não puderam ser enquadrados na Medida Provisória (MP) para redução de cargas horárias e salários, como fizeram as empresas privadas, eles seguem recebendo integralmente, mesmo sem estar de fato trabalhando em alguma linha, já que as viagens foram reduzidas com a queda de usuários na pandemia.
— Atualmente, a Carris tem frota sobrando e as pessoas não puderam entrar na MP, então, é mais barato para a prefeitura cobrir o déficit assim, ao invés de pagar em dinheiro. Com a operação da Carris, o gasto se limita ao diesel e manutenção de rotina — avalia Lovatto.
A origem do acordo
As vias judiciais entraram na conversa entre prefeitura e empresários há cerca de seis meses. Com os efeitos da pandemia e diante da queda abrupta de passageiros, as empresas de ônibus pretendiam buscar reparação financeira acionando o poder público por via judicial. Para evitar todos os imbróglios de um processo judicial, o desembargador Ney Wiedemann Neto sugeriu um, até então, inédito processo de mediação no Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc). O acordo foi fechado em setembro.
Para cobrir o déficit de março a agosto, o Executivo municipal se comprometeu a pagar R$ 39,3 milhões ao consórcio formado pelas empresas Via Leste, MOB, Mais e Viva Sul. Os recursos serão revertidos, durante seis meses, em créditos para pessoas inscritas no Cadastro Único do governo federal. De setembro a dezembro, o déficit está sendo coberto pela operação com a Carris.
Linhas privadas operadas pela Carris
- 256.4, 256.5, 256.6, 257, 260.3, 267.7, 282.3, 282.3, 375, 525, 620, 650 e 652, VM10, VM68, VM79, V705, VB09, V282, V255, V361, V473