No topo de uma das partes mais altas do Centro Histórico, o Hotel Everest, que fechou as portas depois de 56 anos de operação, foi, desde os primórdios, favorecido pela sua localização. Além do terraço com vista panorâmica, de onde se enxerga de norte a sul da Capital, passando pelo Guaíba, o local fica a poucas quadras do Palácio Piratini, centro dos acontecimentos políticos do Estado.
— Ele está numa posição privilegiada. Tinha almoços com governadores, prefeitos, partidos políticos. Os mais velhos contam que, na época do regime militar, quiseram usar como ponto de observação, porque dava para ver toda a cidade — recorda Ana Helena Fett, sócia do local e neta do fundador, Alberto Augusto Fett.
Inaugurado menos de dois meses depois do começo da Ditadura Militar, em 1964, o local foi palco de diversas reuniões políticas ao longo das décadas. Não era incomum deparar com parlamentares e secretários de governo almoçando no restaurante localizado no terraço. Um dos hóspedes ilustres foi Leonel Brizola, que se hospedou por diversas vezes no Everest depois de retornar do exílio.
Mas o magnetismo do hotel na Rua Duque de Caxias ia além da mera conveniência. A imponente construção no topo do Viaduto Otávio Rocha — cuja localização está na provável origem do nome, que remete ao Monte Everest — tornou-se um marco de uma cidade em plena verticalização.
— O ponto em si era um verdadeiro ícone do urbanismo porto-alegrense, da modernização da cidade. Foi construído no ponto mais alto do centro, com vista panorâmica — diz o historiador Gunter Axt.
Composto de 156 apartamentos, o Everest é, na verdade, um residencial convertido em hotel. Alberto Augusto Fett foi adquirindo os apartamentos aos poucos, e, posteriormente, adaptou as unidades para funcionarem como dormitórios.
Além da classe política, o Everest recebeu diversas personalidades do meio cultural ao longo de sua existência. Nomes como Chico Buarque, Renata Sorrah e José de Abreu foram alguns dos que ocuparam quartos na Duque de Caxias.
Pelo menos um hóspede famoso deixou seu rastro após a estadia. Em uma coluna publicada em 2006 no jornal Zero Hora, Luís Fernando Verissimo lembrou de um episódio curioso. Décadas antes, penou para decifrar como um copo personalizado tinha surgido em sua casa.
Como aquele copo do Hotel Everest de Porto Alegre viera parar aqui em casa? Aí alguém lembrou: o Vinicius!
LUÍS FERNANDO VERISSIMO
“O mistério durou alguns dias: como aquele copo do Hotel Everest de Porto Alegre viera parar aqui em casa? Aí alguém lembrou: o Vinicius! Ele e o Toquinho tinham feito um show para o meu pai, na nossa casa. Estavam hospedados no Everest. O Vinicius costumava sair de qualquer lugar onde estivesse carregando seu copo de uísque. Há, provavelmente, um copo da nossa casa no Hotel Everest até hoje”, escreveu.
Com o fim do negócio, copos, talheres, mobília e outros itens que fizeram parte da história do hotel devem ir a leilão, segundo a família proprietária. O imóvel, ainda sem destino, já é cobiçado por investidores. Uma das possibilidades é retomar sua vocação inicial, abrigando um empreendimento voltado para moradia.
Matéria sobre a inauguração do hotel em ZH: