A Polícia Civil concluiu a investigação do gasto de R$ 1 milhão da Companhia Carris Porto-Alegrense para construir um prédio com salão de festas e academia, além de espaço com quadra de futebol com grama sintética e estacionamento. O local, instalado sobre terreno público, era administrado pela União Social dos Empregados da Carris, a USE Carris.
A 2ª Delegacia de Combate à Corrupção indiciou por peculato e dispensa de licitação 14 pessoas entre ex-presidentes da Carris e ex-diretores ou funcionários da associação de funcionários.
O caso foi revelado por GZH em junho do ano passado, depois de vir a público também a cedência de terrenos de propriedade da prefeitura que a Carris fizera à Use. Foi nestes imóveis que a sede social foi erguida com dinheiro oriundo da companhia. O repasse dos terrenos para uso pela associação, feito em 2006, era ilegal e, por meio de ação judicial, a prefeitura retomou os imóveis em maio do ano passado.
A partir disso, começou a ser investigada utilização de valores da Carris para que a sede social fosse construída. A apuração policial constatou um rastro de descontrole e mau uso de recursos públicos. Com base em relatos de testemunhas e de investigados, ficou claro que por anos a Carris sustentou contas da associação de funcionários, como de água e de luz. A companhia também usou a relação com a USE para fazer a contratação de uma empresa de segurança com dispensa de licitação.
O investimento da companhia na construção da sede social teve aval do Conselho de Administração, que definiu até o valor que seria usado à época: R$ 800 mil. Mas notas fiscais existentes na contabilidade revelaram que o gasto ultrapassou o valor autorizado, chegando a R$ 1 milhão. A Carris e a Use sustentam que houve doação de empresas parceiras para a obra, mas ninguém, da gestão da época da construção, soube explicar ao certo quanto foi recebido em doações. O inquérito verificou que havia o uso e recebimento de valores que não passavam pela contabilidade da associação.
Projeto da obra da sede social foi feito por diretor da Carris
O projeto e o acompanhamento das etapas da obra foram feitos pelo engenheiro Hélio Dilberto Flores Mendes, que foi gerente de manutenção da companhia entre 2005 e 2007 e diretor técnico entre 2008 e 2011. Em depoimento à polícia, Mendes admitiu que fez os serviços à época de forma "voluntária".
O curioso é que anos depois, Mendes processou a Carris por desvio de função justamente por ter feito estes serviços. E foi vitorioso na ação judicial.
A investigação policial confirmou que também foi a Carris que equipou a academia existente na sede social. Entre os itens pagos pela companhia estão, por exemplo, mesa de bilhar de R$ 1,2 mil, bicicleta horizontal de R$ 3,2 mil, esteira de R$ 6,5 mil e balança eletrônica de R$ 1,1 mil. Foram gastos em torno de R$ 55 mil nos equipamentos. Quando GZH revelou o caso, em 2019, o comando da Carris explicou que o investimento da companhia não seria ilegal, desde que baseado no "bem comum e em cumprimento ao papel social da empresa".
O problema é que os espaços de lazer, que deveriam beneficiar os empregados da Carris passaram a ser locados a terceiros. Além disso, quem não fosse associado da USE tinha que pagar valores diferenciados para dispor de salões, churrasqueiras e quadras. O salão de festas para sócios custava, por exemplo, R$ 800. Já o aluguel para não-sócios saltava para R$ 2 mil.
O delegado Vinicios do Valle, da 2ª Decor do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) registrou que os indiciados agiram de forma "consciente, voluntária e com união de esforços, em concurso de crimes e de agentes, em desvios de recursos oriundos erário municipal e bens públicos, objetivando atender a fins particulares ou de terceiros". A conclusão da investigação já foi remetida à Justiça.
Os 14 indiciados
Antônio Lorenzi, ex-presidente da Carris
"Não tenho a informação ainda. Não posso comentar"
João Antônio Pancinha da Costa, ex-presidente da Carris
"Não fui informado. Não tenho o que comentar"
Hélio Dilberto Flores Mendes, ex-gerente de manutenção e diretor técnico da Carris
Não localizado.
Luís Fernando Coimbra Albino, ex-diretor administrativo e financeiro da Carris
GaúchaZH deixou recado para o advogado Jefferson dos Santos.
Clóvis Magalhães, ex-integrante do conselho de administração da Carris
"Desconheço essa investigação. Darei explicações na medida em que for informado"
Nelson Afonso Pereira Godoy, ex-presidente da USE
"Quem tratou da construção e do dinheiro foram o presidente da Carris da época e o engenheiro. Não mexi com dinheiro"
Sandro Luís Abbade, ex-presidente da USE
GaúchaZH deixou recado.
Rogério Santos Escouto, ex-presidente da USE
"Em que pese não ter sido informado a respeito de indiciamento, tenho conhecimento de que existem expedientes tramitando no MP e na Polícia Civil. Alguns destes expedientes inclusive iniciados a partir de denúncias de irregularidades feitas por mim enquanto Diretor da USE CARRIS e que envolvem administrações anteriores da associação e a administração da Carris (atual e anteriores). Caso tenha sido indiciado provarei no processo que não cometi nenhum ilícito, pelo contrário, durante meus oito meses a frente da Associação busquei fortalecer a entidade e eliminar quaisquer irregularidades."
Cristiano Sperling Paim, ex-presidente da USE
"Não tenho conhecimento da investigação"
Marcelo Molina Tavares, ex-contador da USE
Não localizado.
Rita Aparecida Silveira, ex-contadora da USE
"Não quero comentar"
Amilton Ubirajara Boaventura Batista, ex-coordenador financeiro da USE
"Não tenho conhecimento da conclusão"
Gilson Lucio dos Santos Buzatto, ex-analista financeiro da USE
"Não fui informado de nada".
Júlio Cezar Ramos Preto, ex-diretor financeiro da USE
"Não tenho conhecimento da conclusão do inquérito. Fui ouvido como testemunha"