Um racha na direção da União Social dos Empregados da Carris, a USE Carris, trouxe à tona suspeitas de que dinheiro público - que deveria ter sido usado para construir uma creche - está sendo sacado por membros da entidade para uso particular.
O recurso está em uma conta gerenciada pela Use Carris. O ex-presidente da associação e atual diretor financeiro afirma que atual o presidente tem sacado valores e teria usado, inclusive, R$ 40 mil para comprar uma caminhonete S-10. Desde de abril, cerca de R$ 140 mil teriam sido tirados da conta para bancar interesses de pessoas ligadas à associação.
O Grupo de Investigação da RBS teve acesso a documentos e extratos. Em julho de 2018, um extrato enviado à Carris apontava que a conta tinha saldo de R$ 410 mil. Agora, o saldo seria de R$ 280 mil, conforme documento apresentado à reportagem. O dinheiro, que é da prefeitura, é oriundo de um convênio firmado em 2011 entre a Carris e a Secretaria Municipal de Educação (Smed) para construção de uma creche.
A companhia recebeu R$ 500 mil à época e repassou R$ 250 mil à USE Carris, que ajudaria a administrar a creche depois de feita a obra. Oito anos depois, no entanto, só há escombros no local. Conforme documentos da época, a Carris teria investido R$ 270 mil para erguer parte da estrutura, que está condenada e tem que ser derrubada.
Já a USE ficou administrando os outros R$ 250 mil desde então. A prefeitura de Porto Alegre quer a devolução de todo o valor que, corrigido, está em torno de R$ 800 mil.
A briga no comando da USE Carris teria começado justamente por causa de dívidas e suposto mau uso dos recursos oriundos dos associados, ou seja, dinheiro privado. O problema é que saques irregulares estariam sendo feitos também na conta que tem o dinheiro da creche. Cristiano Paim, ex-presidente da USE Carris, sustenta que os recursos da creche sempre foram preservados porque havia o entendimento de que, um dia, teriam que ser devolvidos. Segundo ele, foi na atual gestão da associação, comandada por Rogério Escouto, que o dinheiro começou a ser sacado:
– Em maio, isso começou. Eu assinava junto, não vou me eximir da minha responsabilidade. Ele queria sacar para comprar uma caminhonete. Eu sugeri que fizesse uma TED, pois assim ficaria registrado. E ele fez. Ele disse que ia repor o dinheiro vendendo outro carro que tinha. Mas aí vendeu e comprou uma moto. E não devolveu nada.
Conforme Paim, dinheiro também dessa conta teria sido usado para pagar aluguel e caução da nova sede da associação, para quitar a rescisão trabalhista de dois funcionários e colocar em dia contas de fundo de garantia e de INSS da associação. Além disso, novos saques estariam sendo feitos sob pretexto de reformas na nova sede da USE Carris, que funciona em um imóvel alugado.
Escouto, eleito presidente da USE Carris em abril deste ano, admite que comprou uma caminhonete com dinheiro de uma conta da USE Carris:
– O carro é para uso da associação e foi comprado em nome dela. E eu não sei que era dinheiro da creche. Se ele (Paim) está dizendo que é, ele tem responsabilidade, pois assinou junto a retirada. Ele apresentou a conta como sendo de dinheiro para pagar credores e dívidas de salão de festa. Eu não tenho conhecimento desse dinheiro da creche, de que conta é. Nosso jurídico agora está fazendo todo esse levantamento. Já estivemos na polícia e no Ministério Público.
Ainda sobre a compra do carro, Escouto sustenta que foi sugestão dele próprio que o dinheiro saísse da conta por meio de uma TED e que a questão da devolução do valor, alegada por Paim, não é verdadeira:
– Eu não precisava devolver nada, pois o carro não era para mim.
Escouto diz ainda que os ataques de Paim ocorreram porque ele foi afastado da direção financeira da associação:
– Ele deixou um rombo de R$ 60 mil nas contas da associação quando foi presidente. Fizemos um levantamento dessas dívidas e começamos a cobrá-lo. E ele não consegue explicar. Então, foi afastado. Tem dívida com empresa de rancho, com farmácia, com pessoas que haviam dado sinal para alugar salão e churrasqueira do antigo prédio da associação. Toda essa gente está cobrando, já tem até ação na Justiça contra ele e contra a associação – explica Escouto.
Dinheiro de associados também estaria sendo desviado
Ao conversar com o GDI, Paim também disse que a verba oriunda dos pagamentos de mensalidades dos sócios está sendo mal gerenciada e também estaria sendo desviada para fins pessoais do presidente. A USE Carris tem cerca 568 sócios e arrecada em mensalidades cerca de R$ 12 mil. O valor é descontado em folha pela Carris, que mensalmente repassa para a associação o valor. A conta pela qual passa a verba das mensalidades é separada da conta em que está o dinheiro da creche.
Paim diz que Escouto enganou o conselho fiscal da USE Carris para aprovar seu afastamento e abrir sindicância. Tudo teria sido motivado pelo fato de Paim ter começado a se negar a assinar junto com o presidente os saques da conta da creche. Escouto afirma que Paim foi afastado pelas irregularidades encontradas em sua gestão, no período de 2017-2019.
Na sexta-feira (25), os dois procuraram a polícia para registrar acusações mútuas: estiveram dando depoimento e entregando documentos na Divisão de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic). Em junho, um inquérito foi aberto pela polícia para apurar supostas irregularidades em negócios e repasses de dinheiro entre a Carris e a associação de funcionários da companhia.
Desde 2018, a gestão da Carris tem adotado medidas para garantir a devolução, por parte da Use, dos recursos referentes à construção da creche.