Quando morou na Vila Safira, há uma década, o maestro Hélder Corrêa viveu o pior que a música pôde proporcionar nos seus 43 anos de vida. A instabilidade financeira da profissão levou o saxofonista a se abrigar na casa de amigos, em uma das regiões mais vulneráveis do bairro Mario Quintana, zona norte de Porto Alegre.
Os shows voltaram, o artista retomou o equilíbrio financeiro, mas a realidade do local que o acolheu seguiu a mesma. A partir de um projeto tocado a muitas mãos, ele espera que isso seja reduzido, ao menos um pouco.
Desde março, ao lado de outros voluntários, em um terreno doado e com o dinheiro das apresentações investido, uma padaria nasce na região, com intuito de gerar empregos e profissionalizar a comunidade.
– Eu sou apaixonado por esse lugar. A vila não te discrimina, do contrário, te joga pra cima – diz.
Inicialmente, oito empregos devem ser gerados na padaria, direta e indiretamente. A prioridade será para moradores da comunidade, população carente afetada pela pandemia, com suspensão de atividades, demissões e perda de trabalhos informais.
O pãozinho, hoje vendido a R$ 0,50 a unidade, conforme Deco, como o músico é conhecido pelos amigos, terá o valor reduzido pela metade, com redução no lucro para atender os clientes do bairro.
Da parceria com supermercadistas que se engajaram na causa também chegarão insumos a baixo custo. A estimativa é produzir cinco mil pães diariamente.
Ao lado do deteriorado campo do clube amador Vasquinho, interditado parcialmente devido a infiltrações no gramado, o prédio que abrigará o comércio ganha forma. As paredes externas já foram levantadas e, no interior, parte do espaço ganhou revestimento de lajotas.
A obra, parada por falta de recursos, será retomada na próxima segunda-feira (17). Para concluir os cerca de 20% necessários para a inauguração, uma campanha de arrecadação foi criada em um site com o título “Padaria comunitária comunidade Safira”. Até a manhã desta sexta-feira (14), R$ 1.550 dos R$ 15 mil solicitados já haviam sido contabilizados.
O pedreiro Joel Rodrigues Batista, 55 anos, aguarda ansioso pela retomada da construção.
– Fiz tudo ali, desde o início. É muito bom saber que o meu trabalho pode ajudar a dar uma luz para a gurizada - define.
Deco explica peça por peça as novas instalações do prédio de 80 metros quadrados: forno ficará em um canto, balcão no lado oposto, depósito em um ambiente separado. As portas de acesso dos clientes ainda não foram abertas, e falta pintura, colocação do forro e dos vidros.
Em um segundo momento, após a inauguração da padaria, o projeto prevê uma barbearia e um espaço para aulas de música e cursos profissionalizantes. Um professor haitiano, também morador, dará lições de reforço em matemática. Márcio Edmilson da Silva, 42 anos, será o responsável por repassar o conhecimento de barbeiro aos jovens da vila. Ao falar no filho de 11 anos, ele vislumbra um futuro melhor para quem tanto ouve falar de maus exemplos.
– Tem que tirar eles do caminho errado, do crime, e ensinar a seguir o certo. Meu sonho é que as crianças daqui possam ter outro horizonte - diz.
Neste sábado (15), na sede do Clube Vasquinho, ao lado do campo de futebol, 300 cestas básicas serão distribuídas para a comunidade, além de calçados, kits de higiene e almoços, ofertados pela ONG Cozinheiros do Bem.
No local, voluntários podem doar todos os tipos de materiais de construção. Os mais necessários atualmente são sacos de cimento, fios de luz, tijolos, canos e portas de ferro. A padaria fica na Rua Jorge de Lorenzi, 380, bairro Mario Quintana. Contatos com o músico podem ser feitos pelo telefone (21) 97649-7201.