Há cerca de seis meses, roupas e acessórios multicoloridos expostos na vitrine de um pequeno imóvel quebram a monotonia da Avenida João Pessoa, perto da Redenção. Entrar no local é como cruzar várias fronteiras ao mesmo tempo. Trazidos de diferentes países africanos, os tecidos usados na confecção das peças expressam parte da cultura de cada um desses lugares. Seu porta-voz também veio de longe: nascido na Costa do Marfim, Lôúa Pácôm Ôülaï, 32 anos, é o proprietário da Sankofa Butik e criador de boa parte dos trajes, confeccionados com a ajuda de costureiros de seu país, do Senegal e do Brasil.
— Cada estampa conta uma história, tem um significado. Abrir as portas da loja é abrir as portas da minha cultura para os brasileiros. É bonito comprar, mas é mais bonito quando se sabe a história — diz.
Estampas que abusam da mistura de cores e de padrões geométricos podem expressar desde o luto, em algumas culturas, até algum tipo de distinção social — quem é próximo do rei, por exemplo, veste determinadas estampas, assim como mulheres independentes podem reafirmar sua condição através das vestimentas. Há ainda aquelas que exaltam a relação com a terra e a fertilidade, entre dezenas de outras. Lôúa, que já morou em diferentes regiões da Costa do Marfim e fala 12 idiomas — somente seu país tem mais de 70 línguas além do francês, idioma colonial adotado como oficial — faz questão de fornecer aos clientes toda informação que tem a respeito de cada tecido.
A forte ligação com as origens e a preocupação em preservar a história fazem parte da filosofia na qual Lôúa foi criado, e cujo nome escolheu para batizar a loja. A palavra sankofa (pronuncia-se sankofá), em tradução literal, quer dizer "volta e pega". Na prática, significa valorizar a sabedoria e o conhecimento dos mais antigos e trazê-los para o presente.
— O passado é a essência da vida. Sankofa é uma maneira de pensar na qual os mais velhos têm mais importância — explica.
Lôúa é um sankofa. Isso porque a palavra também é usada para descrever pessoas que tocam os tambores para se comunicar com os ancestrais. Percussionista de djembe, uma espécie de tambor muito importante na cultura africana, mudou-se para o Brasil, em 2016, por causa do instrumento. Foi convidado a dar aulas em Pelotas, no sul do Estado. A mudança para Porto Alegre, onde continua ensinando percussão e, neste ano, começou a licenciatura em Prática Musical Coletiva na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), veio mais tarde.
Aprendeu a falar português com alunos e amigos — atualmente, vive em uma casa com oito brasileiros. Apesar do forte sotaque, comunica-se com desenvoltura e já domina gírias — "massa" é a mais recorrente. Observa semelhanças entre a cultura de seu país e a brasileira, mas admite que a adaptação é trabalho constante, que por vezes impõe obstáculos peculiares.
— Tem muitas semelhanças, como as afrorreligiões, o jongo, o samba, o dendê e o acarajé. Mas, no meu país, não se come arroz com feijão. Ou se come um, ou outro... Hoje eu como feijão com arroz. Aprender um idioma é aprender a cultura — diz.
Vendas começaram em casa
Foi a curiosidade dos brasileiros a respeito do seu universo o que, segundo ele, motivou sua entrada no empreendedorismo. Ao final de suas apresentações, tornou-se comum pessoas mostrarem interesse nas roupas típicas que vestia.
— As pessoas pediam para comprar, e eu vendia. Acordei um belo dia e não tinha mais o que vestir. Liguei para a minha mãe e pedi que mandasse mais roupas e tecidos — conta.
As vendas começaram na casa onde morava à época, no bairro Menino Deus, e logo migraram para um galpão no Centro. Fazia meses que cobiçava a pequena loja na Avenida João Pessoa, quase à esquina com a Rua da República, quando, no meio do ano, viu que o imóvel estava vago. Inaugurou a Sankofa em julho.
Abre a loja todos os dias — na segunda só trabalha à tarde, porque, segundo ele, as pessoas "não gostam de gastar" nesse dia. O maior movimento ocorre no domingo, quando, não raro, frequentadores da Redenção descobrem o reduto africano em frente ao parque.
Além de roupas femininas, masculinas e infantis, tem acessórios como colares, brincos, mochilas e pochetes — os tecidos também são comercializados, por metro. Os modelos seguem a lógica sankofa: são inspirados em roupas que as pessoas usam no seu país desde sempre, mas com cortes modernizados.
Ele garante que não há problema em brasileiros de qualquer etnia vestirem as roupas africanas. Mais do que comercializar os trajes, acredita que seu negócio serve para aproximar as culturas, e acabar com o preconceito contra os imigrantes de origem africana.
— A África não é uma coisa só, e não é só o que a grande mídia mostra. Tem coisas boas. É o berço da humanidade, e está na origem de muitos brasileiros. Quando se conhece uma cultura, se aprende a respeitá-la.
Costa do Marfim
A Costa do Marfim, é um país da África Ocidental que faz fronteira com Mali, Burkina Faso, Gana, Libéria e Guiné. Sua capital é Yamoussoukro, mas a maior cidade é Abidjan. Colonizado pela França, o país tornou-se independente em 1960. Além do francês, considerado idioma oficial, são faladas 78 línguas. O país é produtor de cacau e algodão, e está entre os maiores exportadores de óleo de palma do mundo.