A figura mais romântica da Cidade Baixa não é vista há quase quatro meses pelo bairro. Quando o coronavírus chegou a Porto Alegre, o Chaplin das Rosas guardou o chapéu coco, o colete e a bengala no armário e tem seguido rigorosamente o isolamento social.
— Com isso, não dá para brincar — diz Pedro Milone, que passa a quarentena em um apartamento no Petrópolis.
O argentino que vende flores pelo bairro boêmio desde 2012 pertence a um grupo de risco da doença — embora não aparente por trás da maquiagem branca, ele tem 71 anos. A única vez que saiu de casa nesse período foi em 7 de abril, para tomar a vacina da gripe.
Milone conta com a ajuda do filho para se sustentar e conseguir mantimentos. Não chegou a buscar o auxílio emergencial do governo:
— Tem gente que precisa mais, e tem que fazer as coisas certas.
Ele tem se entretido com o Netflix e o Amazon Prime. Até indica para os leitores as séries O Sucessor, que gira em torno de um chefão do narcotráfico espanhol, e Suburra, romana, sobre crime organizado.
— Passo as horas dessa forma. E trocando Whats com os amigos: uma fofoca vai, outra vem... — acrescenta.
Mas a saudade do trabalho já é grande. Vestido como o personagem emblemático do cinema mudo, o falante vendedor amava percorrer estabelecimentos da Lima e Silva, Olavo Bilac, João Alfredo vendendo rosas vermelhas a R$ 10 com sua lábia castelhana.
— Sinto uma falta das minhas andanças noturnas. É extremamente gratificante quando um cavalheiro oferece uma flor a uma dama. Eu já formei vários casais, hoje casados e que surgiram com a minha flor. Fui um bom cupido — relembra.
O maior horror de Milone é ver um casal sentado à mesa de um restaurante teclando no smartphone, sem olhar para a cara um do outro. Sempre foi um apaixonado inveterado, característica que trouxe de Buenos Aires quando veio para o Brasil, em 1980. Aprendeu com o pai, galanteador, e a mãe, que até cantora de tango era.
Mas ele não revela muito quando questionado se tem aplicado seu romantismo. Tem feito como alguns quarenteners e apelado para o Tinder, para pelo menos conhecer alguém?
— Não, não estou procurando nada, não — nega ele, rindo.
E termina a conversa:
— Estou querendo é uma vacina que possa resolver nosso problema.