Acostumado a abordar os boêmios porto-alegrenses com o clássico bordão em portunhol “Hola, já nos vimos hoy?”, o vendedor de incensos peruano José Nicolas Martinez viu a clientela pela última vez em 13 de março, uma sexta-feira. Da noite para o dia, perdeu praticamente 100% do ganha-pão com a chegada da pandemia à Capital.
– Fiquei em branco, pensando no que eu ia fazer. Precisava ao menos vender a mercadoria que eu já tinha pronta. Mas isso é para as contas pequenas. Para as contas grandes, estou usando dinheiro guardado – declara, por telefone.
Martinez passou a divulgar a situação pela qual passava e um número para encomendas – (51) 99151-4057 – em grupos de WhatsApp e no Facebook (veja, abaixo, a publicação). Assim, retomou uma pequena parcela da clientela. Embora não aparente, Martinez tem 64 anos e está no grupo de risco, então limitou as entregas na Cidade Baixa a uma vez por semana. Para moradores do Centro Histórico, consegue fazer entregas no mesmo dia ou recebe, à porta de casa, para quem vai buscar os incensos.
– Outra coisa é que, na pandemia, perdi o benefício de andar de ônibus sem pagar por ser idoso. Pela questão de la covid, evito circular na rua mais do que o necessário – conta.
A mudança de rotina também foi drástica, especialmente para alguém tão metódico. Todos os dias, Martinez tomava uma sopa e saía do apartamento alugado na Duque de Caxias às 21h20min. Pegava um ônibus até a Loureiro da Silva e batia perna de bar em bar na Cidade Baixa até atingir uma cota diária de vendas, quase sempre de madrugada. Então retornava e descansava até o início da tarde seguinte. Agora, voltou a trocar a noite pelo dia.
– Uma coisa boa é que estou subindo de peso. Dois, três quilos, que não conseguia antes. Em casa não suo, não caminho. Mas estranho, estranho muito a falta de exercício e a ansiedade. Como não caminho mais depois de comer, preciso fazer hora, senão tenho crises de refluxo terríveis.
Outra boa nova é que Martinez, naturalizado brasileiro, conseguiu o auxílio emergencial do governo como trabalhador autônomo, o que foi um imenso alento. Nesta terça-feira, iria até a Caixa Econômica Federal sacar a primeira parcela. Pelas contas, se mantiver o atual número de clientes por encomendas, somado ao benefício do governo, consegue ao menos chegar a cerca de 60% dos seus rendimentos mensais. Porém, mesmo sacrificando as economias e ansioso com a falta de trabalho, Martinez não tem pressa de retornar.
– Estou com crise financeira, mas estou pensando primeiro na saúde. Minha e de todo mundo. Não estou de acordo com o governo federal que quer que abra todas las cosas. Não com as mortes crescendo! Se não tiver isolamento, estão calculando 100 mil mortes no Brasil! Acho que lá por junho, julho, com distanciamento dos clientes nos restaurantes, voltaria a trabalhar. Talvez com luvas, com pagamento em cartão...
Até lá, enquanto durar o distanciamento, mais do que nunca Martinez recomenda:
– Acender em casa o incenso amarelo, de camomila. O raio amarelo é o raio da paciência, da tranquilidade. E o verde, também, que é da saúde e da concentração. Ótimo para fazer meditação. Hay que ver la saúde, né? La vida de todo.