Fechar as contas ao final do mês tornou-se uma verdadeira missão impossível para quem atua como estagiário em setores da prefeitura de Gravataí. Isso porque, por meio de instruções normativas publicadas no Diário Oficial, o município vem suspendendo, mês a mês, os contratos firmados com os estudantes – que, desde 25 de março, estão afastados de suas funções, sem receber remuneração.
De acordo com levantamento realizado pelos estagiários, mais de 300 estudantes – de nível médio, técnico e superior – foram afetados pela medida. A exceção são aqueles que desenvolvem atividades no Procon Municipal e nas secretarias de Saúde e de Governança e Comunicação Social. Contudo, à reportagem, a prefeitura de Gravataí não confirmou o número total de estagiários que tiveram seus contratos suspensos, bem como o daqueles que permanecem trabalhando.
A fim de negociar a situação, os estudantes formaram uma comissão representativa. Por meio da organização, adotaram uma série de medidas, visando a revogação da decisão da prefeitura. Mas, segundo o estudante de Geografia Bruno Gaspareto, 23 anos, integrante do grupo, a primeira vez que o município aceitou dialogar com os estagiários, desde o início da pandemia, foi na tarde da última quinta-feira (02):
– Não nos trouxeram qualquer novidade, não foi sanada nenhuma dúvida durante a reunião.
Pegos de surpresa
Como base legal para a implementação da medida, o município tem se apoiado no termo de compromisso firmado com os estagiários, que condiciona o repasse financeiro ao cumprimento da carga horária prevista. Desse modo, o pagamento não estaria sendo feito em razão de os estudantes não estarem exercendo suas funções.
No entanto, na opinião da estudante de Nutrição Amanda Angeli, 20 anos, a decisão é arbitrária, já que não foi ofertada outra possibilidade, como a de desenvolver as atividades de forma remota.
– Não paramos de trabalhar por vontade própria, mas porque estamos impedidos. Gostaríamos de continuar trabalhando, pois precisamos dessa renda, mas não foi oferecida qualquer alternativa – relata a estagiária.
Sem emissão de comunicado prévio avisando sobre a suspensão, a decisão pegou os estudantes de surpresa. Agora, além de ter de lidar com as dificuldades causadas pela pandemia, eles precisam encarar a falta de dinheiro, uma vez que viram suas rendas zerarem de forma inesperada.
– Descobrimos que ficaríamos sem receber por meio de um decreto, nem um e-mail a prefeitura foi capaz de mandar. Se tivessem avisado, teríamos nos programado, mas foi “de sopetão”. Me senti um lixo, traída, humilhada e muito impotente. O que queria é que a prefeitura tivesse um mínimo de respeito por nós – desabafa Samara Kolhrausch, 21 anos, estudante de História.
Estagiários sentem-se desvalorizados
Com o pagamento das bolsas-auxílio suspenso, os estudantes enfrentam dificuldades para se manterem durante este período – agravadas pelo contexto da pandemia. Para a estagiária de Psicologia Cristine Konrad Nogueira, 27 anos, a situação é humilhante:
– Acordei, vi o decreto e, da noite para o dia, não sabia como iria fazer para pagar as minhas contas. Nem uma cesta básica a prefeitura ofereceu aos estagiários. Me sinto humilhada. Somos uma mão de obra qualificada e barata ao município, sem direito trabalhista nenhum e que, quando não serve mais, eles jogam fora.
Para uma estudante de Serviço Social – que preferiu não ser identificada –, a saída para driblar a pindaíba foi o auxílio emergencial. Mãe de dois filhos, o valor recebido pelo estágio era sua única renda, utilizada para o sustento da família e pagamento das mensalidades de sua graduação, cursada em instituição particular. Diante da falta de repasse financeiro, por parte da prefeitura, a estagiária relata sentir-se desvalorizada:
– Tu vê que não tens importância nenhuma, que não somos nada para o município. Nunca passei por uma situação como a que estou passando hoje.
MInistério Público do Trabalho recomenda retomada dos pagamentos
Em 2 de junho, o Ministério Público do Trabalho (MPT) emitiu despacho à prefeitura, manifestando-se contrário à postura adotada pelo município. No texto, o MPT considerou insustentável o argumento dado pela prefeitura, explicando que tal medida funcionaria “como impedir o estagiário de comparecer e, alegando que ele não compareceu, deixar de cumprir a sua parte no contrato”, pois, como descrito em outro trecho do documento, “os estagiários só não estão comparecendo ao Paço Municipal porque foram impedidos pelo próprio concedente do estágio”.
O MPT orientou, ainda, que a prefeitura pague os valores referentes “a todas as horas que os estagiários deixaram de comparecer por ordem do próprio município”, com prazo de dez dias para manifestação.
Em resposta, enviada em 23 de junho, a prefeitura informou que não seguirá a recomendação, mantendo a suspensão dos pagamentos e contratos. No texto, informou, ainda, que, “ao suspender os contratos de estágio e a remuneração, realmente teve como intuito manter os vínculos com os estagiários até que a pandemia tivesse seus efeitos minorados”.
Diante da negativa, o MPT manifestou, em 24 de junho, que ajuizará ação civil pública contra o município dentro de 15 dias, a contar da data. Com isso, o caso passará a ser deliberado na Justiça, visto que, até o momento, a atuação do MPT adotou caráter extrajudicial.
Prefeitura manterá suspensões
Após contato da reportagem, a prefeitura manifestou, por meio de nota, que “mantém seu entendimento de que seus atos estão dentro dos critérios de legalidade”. Salientou, ainda, que a medida já foi analisada pelo Poder Judiciário e auditada pelo Tribunal de Contas, com pareceres favoráveis ao município.
Questionada sobre o motivo da suspensão dos contratos, o número de atingidos e quanto a previsão para retomada dos pagamentos, não se manifestou. De igual modo, não respondeu o pedido, feito pela reportagem, de uma orientação aos estagiários que enfrentam dificuldades financeiras durante este período.
Produção: Camila Bengo