Não levou cinco minutos para que a bombeira Adriana da Rosa identificasse e capturasse com as próprias mãos uma cobra nos fundos de uma casa no bairro Mato Grande, em Canoas, no fim da manhã desta quinta-feira (5). Enquanto ela e outras quatro colegas aguardavam por um recipiente para colocar o animal, que depois foi levado a um zoológico, a dona de casa Ironi dos Santos Lacerda, 68 anos, observava o quinteto fardado com ar de incredulidade:
— Só tem mulher hoje. Nem sabia que tinha tantas — sorriu.
O espanto de dona Ironi tem fundamento. Atualmente, dos 1.877 bombeiros do Rio Grande do Sul, apenas 236 são mulheres. Perto do Dia Internacional da Mulher, comemorado em 8 de março, 12 delas resolveram unir forças em busca de visibilidade. Durante 24 horas, todas as ocorrências que chegaram aos dois pelotões de Canoas foram atendidas por guarnições exclusivamente femininas.
— O que está acontecendo hoje, para mim, é um sonho, uma realização profissional. Uma guarnição feminina é muito empoderamento — comemorou a sargento Marcela Santiago, 39 anos.
No pelotão de Guaíba, onde atua há 19 anos, a sargento que ingressou na carreira incentivada pelo pai, brigadiano, é a única mulher. Seu caso não é incomum. A falta de representantes do sexo feminino adiou por anos a ação realizada pelo 8º Batalhão de Bombeiro Militar, que atende a 10 municípios. Para colocar a atividade em prática, o grupo teve de acionar trabalhadoras de Canoas, Gravataí, Camaquã, Guaíba e até da Capital.
Ao soar do primeiro alarme, por volta das 11h, a equipe que atuava na sede do batalhão — a outra guarnição trabalhou em um pelotão no bairro Mathias Velho — mobilizou-se rapidamente. Em poucos minutos, todas estavam a postos, vestidas com o equipamento de segurança e sentadas no caminhão dirigido pela sargento Adriana até o local da ocorrência, considerada corriqueira. Somente no pátio de Camila Abrantes, era a segunda vez que aparecia uma serpente. Mas a primeira em que o caso foi resolvido por mulheres.
— Achei ótimo. Foram muito atenciosas e o atendimento foi rápido — disse a dona de casa, que, ao final, pediu para tirar uma foto com as profissionais.
Luta por igualdade
Das sete mulheres que participaram da atividade na sede do 8º Batalhão de Bombeiro Militar durante a atividade, três dedicam-se exclusivamente a funções operacionais, como resgates e combate ao fogo. Todas — inclusive as que hoje atuam em funções administrativas — passaram pelos mesmos treinamentos que os colegas homens.
Ainda assim, todas relatam terem passado por situações desconfortáveis ou curiosas em razão do preconceito de gênero. Integrante do pelotão de Gravataí, onde também é a única mulher, a sargento Adriana da Rosa recorda com nitidez do dia em que se apresentou para servir em seu primeiro pelotão, em Canoas:
— Quando me apresentei, o colega que me recebeu olhou para mim e disse: "Mulher, aqui, em Canoas? Deve ter algo errado". Hoje damos risada quando lembramos disso. Independentemente do gênero, temos que saber conviver, porque temos que confiar uns nos outros durante as ocorrências — conta Adriana, bióloga de formação.
A trajetória feminina na corporação é recente. A primeira turma com mulheres formou-se em 1997. Comandante do pelotão de Camaquã, onde lidera 26 homens, Simone Rosa Baldi, 44 anos, foi da segunda turma, no ano seguinte. Teve somente três colegas do mesmo gênero.
— No começo existia muito machismo, e uma resistência grande de parte dos comandantes. Éramos constantemente submetidas a testes, tínhamos que ficar provando que podíamos estar ali. Hoje está bem mais tranquilo — diz Simone, uma das idealizadoras da ação.
Atualmente, Canoas é o município que tem mais bombeiras na região do 8º Batalhão de Bombeiro Militar, com nove — há lugares onde todos os integrantes do pelotão são do sexo masculino. Recém-chegada, Élica Gobbi, 27 anos, tem revezado as saídas operacionais com o trabalho na área administrativa. Durante a sua formação, recorda que contou com exemplos positivos: assim como outras colegas, foi encorajada por instrutores a sempre se posicionar pelos seus direitos. Avalia que dentro do pelotão a presença feminina é encarada com naturalidade. Da porta para a fora, ainda há estranhamento.
— Já me perguntaram se eu fazia alguma coisa ou ficava só olhando. Achei engraçado. Quando tiramos o uniforme, depois dos combates, as pessoas sempre ficam olhando, surpresas. Mas tem cada vez mais mulheres nos bombeiros. Não adianta. Vão ter que nos aceitar — diz.
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