Barcelona, Londres, Amsterdã, Paris e Washington são citadas com frequência por engenheiros e arquitetos como exemplos de cidades que enterraram praticamente toda a sua fiação – o que, além de reduzir drasticamente as interrupções no fornecimento de energia durante tempestades, confere visual urbanístico mais agradável às metrópoles.
Essas cidades não passam de miragem na realidade brasileira, onde só 1% da distribuição de energia elétrica é feita por redes subterrâneas. Os índices variam: estima-se que, em Belo Horizonte, o percentual seja de 2%; em São Paulo, de 10%; no Rio de Janeiro, 11%. Os 400 quilômetros de rede subterrânea de Porto Alegre correspondem a 9,2% de todo o sistema da capital gaúcha.
Segundo o engenheiro Daniel Bento, que atuou como responsável técnico pela rede de distribuição subterrânea de São Paulo, a opção por sistemas aéreos no Brasil deveu-se às dimensões do país – o cabeamento por meio de postes, fios e transformadores expostos é mais barato. Nas últimas décadas, a maior parte dos casos de migração para a rede subterrânea está relacionada à tentativa de modernização de regiões e tem relação com o aumento abrupto da demanda por energia elétrica. Só que, ao fazer a mudança, segundo o engenheiro, optou-se pelo padrão de cidades norte-americanas e canadenses, o chamado Network. Esse sistema em malha reticulada começou a ser implantados por volta dos anos 1960 no país e teve pouca expansão devido aos altos custos.
– Ele tem confiabilidade excelente, como a rede de Nova York. Porém, o preço é alto. Todo mundo entendeu que era muito caro e não caminhamos para outras alternativas – explica Bento.
Com uma lei de 2005, São Paulo obriga concessionárias, empresas estatais e operadoras de serviço a enterrarem o cabeamento de rede elétrica, telefonia, TV e afins instalado no município. Desde a aprovação da legislação, entretanto, pouco foi feito. Projeto aprovado durante o governo João Doria (PSDB) previa que 2.109 postes fossem retirados até aquele ano. Mas o prazo não foi respeitado e a meta foi adiada para 2020. Caso seja cumprida, a previsão é de que o percentual de fiação subterrânea de São Paulo atinja 17%. Conforme Bento, mesmo em São Paulo há apenas “soluços” de rede subterrânea:
– Fez-se o enterro em vias importantes, como as avenidas Nove de Julho e Rebouças e a Rua Oscar Freire, com iniciativas privadas. Não temos, no Brasil, consistência para expandir essa rede. Nenhuma concessionária tem planos de enterramento hoje.
Bento defende que cabe às prefeituras atuarem na interlocução entre os setores envolvidos em projetos de migração de redes aéreas para subterrâneas por envolverem diferentes empresas, como de telecomunicações, televisão a cabo, concessionárias e secretarias municipais – como forma de reduzir o impacto na mobilidade e na busca por projetos que integrem serviços no mesmo projeto.
– A prefeitura tem de liderar e ser o agente integralizador, porque inclusive as residências precisam fazer adequações em seus centros de medições. A obra mais pesada é da concessionária de energia, mas todo mundo tem de trabalhar junto – sugere.
O engenheiro defende que prejuízos econômicos acarretados pela falta de luz devem nortear a troca do modelo – e não apenas o embelezamento das cidades.
— No Brasil, ficamos de 10 a 12 horas, até 16 horas, sem energia durante o ano. Na Alemanha, que tem 80% de sua rede subterrânea, esse tempo é de 23 minutos por ano. Imagine o impacto disso em uma escola ou em uma fábrica. Há questões de produtividade, de crescimento do país e de segurança envolvidas – avalia.
A responsabilidade por normatizar, regular e fiscalizar questões relacionadas aos serviços de distribuição de energia elétrica é da Aneel. Conforme Resolução Normativa 414/2010, é de responsabilidade do interessado o custeio das obras de rede subterrânea, ou conversão da rede aérea existente em rede subterrânea, incluindo as adaptações necessárias.
Confira alguns exemplos municipais, no Brasil e no Exterior.
São Paulo
Toda a energia da região central da cidade é subterrânea há mais de 20 anos. A Enel Distribuição São Paulo informa que realizou dois projetos de conversão: na Vila Olímpia, foram enterrados fios elétricos em 13 vias da região, correspondentes a 4,2 quilômetros de extensão de vias, e na área do Mercado Municipal, com nove quilômetros em 40 vias. São Paulo tem 41 mil quilômetros de cabos suspensos de energia elétrica. Um decreto obriga a cidade a enterrar a cada ano cerca de 250 quilômetros de cabos. O projeto em ruas como a Oscar Freire foi iniciativa de empresários.
Campinas
Em setembro, um projeto de lei protocolado na Câmara do município quer que toda fiação aérea da cidade seja implantada de forma subterrânea em 12 anos. O texto especifica que a substituição deve ocorrer gradativamente a partir de seis meses da promulgação da legislação, na proporção mínima de 5% a cada ano. A medida contempla novos loteamentos residenciais, comerciais e industriais.
“Todos os custos para a implantação do cabeamento subterrâneo serão de inteira responsabilidade das permissionárias, inclusive aqueles decorrentes de danos nas áreas públicas em razão do enterramento de cabos, bem como o refazimento de calçadas, recapeamento de vias, guias e sarjetas, assim como a manutenção da rede”, diz o texto.
Rio de Janeiro
A eliminação da fiação aérea está prevista no Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável do Rio, aprovado em 2011. A lei determinou que todas as empresas com fios expostos deveriam substituir as fiações até 2016. Não vingou. A Light contesta a competência do município de legislar sobre o assunto. Para a empresa, é responsabilidade da União decidir sobre a rede subterrânea.
Londres
A empresa responsável pela infraestrutura elétrica investiu mais de US$ 1 bilhão nos últimos anos para criar um sistema de linhas de transmissão em túneis mais profundos, substituindo a fiação que já ficava embaixo da camada de asfalto.
Buenos Aires
Várias ruas da cidade ainda têm redes aéreas, mas o governo da capital argentina tem avançado na troca dos cabos aéreos por fios subterrâneos. No centro da cidade, já não existem fios aéreos. A medida foi incluída em uma grande reforma na área promovida pela prefeitura local na década de 1950. Em outros bairros, ainda encontra-se rede aérea, mas está proibida a instalação de novas fiações sobre o solo.
Paris
Em Paris, a rede elétrica subterrânea começou a ser instalada em 1910. Conhecida como Cidade Luz, a capital francesa tem toda a sua fiação no subsolo há mais de 60 anos. A França tem investido continuamente em redes subterrâneas.