Um dos projetos de lei do pacote de mobilidade enviados à Câmara Municipal preocupa especialmente os motoristas de aplicativos de Porto Alegre. Ele prevê que as empresas arquem com uma "tarifa de uso do sistema viário", de R$ 0,28 por quilômetro rodado em vias da Capital. A prefeitura calcula que, se a medida for aprovada, o acréscimo de receita garantiria um desconto de R$ 0,70 no valor da passagem.
Primeiramente, os motoristas chamam a atenção para o montante arrecadado. Um motorista que trabalha exclusivamente na função costuma rodar 300 quilômetros por dia. Cada carro geraria uma tarifa de R$ 84 no período. Se rodar essa quilometragem ao longo de cinco dias úteis por mês, seria R$ 1.680 arrecadados pela prefeitura somente por um automóvel. Mas a preocupação dos motoristas é maior do que isso. Eles temem que as empresas de aplicativos repassem essa conta a eles, não ao consumidor. Não diretamente, mas diluída em outras mudanças no cálculo de pagamento aos motoristas.
– Olha quantas vezes aumentou a gasolina nos últimos anos. Quantas vezes o preço das corridas subiu por causa disso? As empresas de aplicativo precisam manter a corrida com um preço baixo para se manter competitivas, inclusive umas com as outras. Todo aumento de custo acaba repassado ao motorista de uma forma ou de outra – aposta Daniel Silveira, 28 anos, que dirige um Sandero com placas de Guaíba nas cercanias do Aeroporto Internacional Salgado Filho.
Para estimar o impacto da medida caso ela fosse parar integralmente no seu bolso, Silveira mostra uma corrida de 13,6 quilômetros realizada naquele dia. De R$ 23,92 cobrados do usuário, ele ficou com R$ 17,38. Já a empresa ficou com 27,3% do valor da corrida. Se a tarifa fosse descontada do seu pagamento, o motorista ficaria com R$ 3,80 a menos. Restariam R$ 13,58.
– Se você colocar nessa conta que eu gastei um litro de gasolina para fazer essa corrida, me restam menos de R$ 10. E eu ainda preciso pagar do meu bolso IPVA, troca de óleo, manutenção... – explica.
Segundo diferentes motoristas consultados pela reportagem, o valor do desconto das empresas aumenta conforme o tamanho das corridas. Em viagens curtas, o motorista ganha mais, o que seria uma forma de recompensá-lo pelo deslocamento até o local. Mas, nas longas, o valor retido pelas empresas aumenta. Uma das telas mostradas pelos motoristas é de uma corrida de R$ 44 do qual o motorista ficou com R$ 28. Os outros R$ 16 ficaram com o aplicativo – um desconto de 36% sem justificativa clara.
Nas cidades em que a taxa por quilometragem já opera, como São Paulo, o custo do imposto sobre a quilometragem aparece descrito nas viagens tanto de motoristas quanto de passageiros. No caso, ele varia entre R$ 0,10 e R$ 0,40 por quilômetro rodado conforme as condições de trânsito e aparece na conta do passageiro. Não se pode afirmar, todavia, se esse custo é compensado na remuneração dos motoristas de outra forma, conforme desconfiam os motoristas porto-alegrenses.
Outra medida do pacote de mobilidade divide motoristas. É a que cobraria um pedágio de R$ 4,70 para que placas de fora ingressarem na Capital.
– Acredito que seria uma boa para os clientes, inclusive. Porque os carros que vêm de fora são geralmente piores e com motoristas que conhecem menos a cidade – declara Antônio Carlos Tavares, 59 anos, motorista de um Grand Siena com placas, claro, de Porto Alegre.
A Uber e a 99 consideram a proposta da prefeitura inconstitucional, por criar tratamento desigual e por cobrar tributo em dobro, uma vez que já se paga imposto municipal (ISSQN) sobre o serviço. A primeira afirmou, por nota, que " Tribunal de Justiça do RS já declarou inválida uma cobrança similar e propostas de outras cidades vêm sendo suspensas pela Justiça, inclusive em decisão do STJ".
Além disso, segundo a Uber, a ideia de que os aplicativos de mobilidade são os responsáveis pela redução de passageiros no transporte público de Porto Alegre "não encontra respaldo nos próprios dados da EPTC, que mostram que a queda de passageiros pagantes nos ônibus é um fenômeno de longo prazo, anterior à chegada dos aplicativos, e influenciado pelos baixos indicadores de qualidade do serviço". A nota defende ainda que taxar os aplicativos pode resultar num maior incentivo ao uso do carro particular, o que vai na contramão do recomendado por especialistas do setor, e que a sustentabilidade do transporte público coletivo é um aspecto fundamental da vida nas cidades e a empresa acredita "que o tema mereça um debate amplo e profundo, alicerçado em dados e estudos que corroborem as soluções propostas."
A 99 acrescentou também que "avalia como positiva a iniciativa de valorização do transporte público em Porto Alegre e está aberta ao diálogo com a Prefeitura para a construção de soluções que sejam benéficas para todos".
A Cabify respondeu apenas que "aguardará o trâmite legislativo para comentar a respeito".