A Associação de Reciclagem Ecológica Vila dos Papeleiros (Arevipa), no bairro Floresta, na Capital, está de portões fechados desde o fim de novembro, quando o Corpo de Bombeiros interditou a sede por falta de Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PPCI) e outros itens básicos de segurança. Com isso, cerca de cem famílias não conseguem dar sequência à venda do material recolhido das ruas e têm perdido, segundo relatos, 80% da renda mensal.
Associados dizem que estão no pavilhão há 17 anos, que sempre funcionou nesses moldes, até ser notificado, pela primeira vez, em outubro, pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico (SMDE).
— Chegaram aqui com a polícia, cães e tudo o mais para fechar. Nos notificaram, mas e as outras unidades? Nenhuma associação de reciclagem tem PPCI, e por que outras não foram fechadas? A questão é política — argumenta o coordenador da Associação Caminhos da Água, Leonel de Carvalho, 57 anos.
— Ninguém está se negando a fazer o PPCI, pois se entende a importância. O que questionamos é por que só a Arevipa? E as outras? Entramos com recurso administrativo, minimizando os riscos, para que funcione parcialmente, pois se tira o risco de dentro do pavilhão, mas se transfere para o meio da rua, onde eles estão trabalhando, ou para a casa deles, onde também estão levando o material — acrescenta a advogada Claudete Simas, da ONG Acesso – Cidadania e Direitos Humanos.
Medidas de prevenção
A prefeitura, por meio da SMDE, disse que o Tribunal de Contas do Estado (TCE) e o Ministério Público (MP) recomendaram ao município uma avaliação ampla da situação de cada Unidade de Triagem, contemplando as condições gerais (instalações, segurança, capacidade de processamento atual e potencial e, até mesmo, custos operacionais, entre outros atributos). Algumas já foram vistoriadas, outras ainda serão. Em relação à Arevipa, a prefeitura diz que também existia um inquérito civil iniciado em 2002, fruto de uma denúncia por problemas ambientais, e que surtiu como resultado para essa recomendação de TCE e MP.
Em operação conjunta no dia 29 de novembro, data da interdição, teria sido constatada uma série de irregularidades relacionadas à segurança, além da ausência do alvará de localização e funcionamento. Conforme a SMDE, a interdição é cautelar, ou seja, dura até que as demandas sejam regularizadas.
Segundo o Corpo de Bombeiros da Capital, ações de fiscalização são realizadas permanentemente, demandadas pelo Ministério Público ou pelos demais órgãos de segurança, de esfera estadual ou municipal. Recentemente, uma dessas vistorias foi realizada em duas Unidades de Triagem (UTs) da Rua Paraíba.
— O foco foram essas duas, demandadas por órgãos de segurança. A diferença é que a interdição prévia (que ocorreu na Arevipa) é realizada onde não se tem itens mínimos (de segurança) em funcionamento. Mas isso não quer dizer que a que segue aberta não tenha sido notificada. Só a falta do PPCI não interdita um espaço, mas o risco oferecido à vida das pessoas. As UTs têm uma alta carga de incêndio, e o fogo se propaga em pouco tempo —explicou o tenente-coronel dos Bombeiros da Capital, Eduardo Estevam Rodrigues.
“Só pedimos a chance de trabalhar com dignidade”, afirma recicladora
Em dezembro, logo após a interdição, em audiência com o juiz Fernando Tomasi, a direção da associação recebeu autorização para entrar na sede e retirar o material para vender, ali represado. Porém, ainda não pode utilizar máquinas como a prensa, cujo uso agrega valor no comércio dos produtos. Sendo assim, com a associação fechada, os carrinheiros seguem buscando material no Centro e levam para casa ou para calçadas, onde fazem a separação.
É o que tem feito Marcos Lopes, 41 anos, que, na manhã de quinta-feira, separava plástico e garrafas PET na calçada, em frente à Arevipa, para vendê-los nos depósitos da cidade. Recicladora há 20 anos, Solange dos Santos, 60 anos, relata a preocupação com o futuro e a situação das famílias.
— O que estão fazendo conosco é perseguição. Tenho 60 anos, vou trabalhar aonde com essa idade? A gente depende desse dinheiro para sobreviver, e ninguém aqui tem estudo. Para que atacar quem só ajuda a cidade? — questiona.
Solange entregou à reportagem uma carta, direcionada aos órgãos públicos, em nome dos associados da Arevipa, em que diz: “Só pedimos a chance de trabalhar com dignidade. Catar lixo na rua não é vergonha, pois é do papel que damos estudo, alimento, calçados, aos nossos filhos. Somos uma grande família, felizes, e temos orgulho dessa profissão digna, sofrida, mas que não nos deixa faltar o básico”, cita um trecho da carta.
A Arevipa, junto a apoiadores, diz que já iniciou o processo para elaboração do PPCI e apresentou um cronograma para as atividades de adequação. Agora, aguarda a segunda vistoria dos Bombeiros.
Fiscalizações em outros pontos
Questionada sobre a fiscalização em outras unidades, a SMDE diz ter realizado 22 ações de fiscalização nos estabelecimentos da região em 2019. Esse número engloba, além das recicladoras, lojas de componentes eletrônicos, oficinas, pensões e outros tipos de comércio.
Houve quatro interdições cautelares por risco iminente, duas em pensões e duas em reciclagens – uma foi a Associação de Mulheres do Loteamento Santa Teresinha, e a outra, a Arevipa – e mais sete autuações por ausência de alvará.rec