A dona de casa Rita de Cássia Ramos, 48 anos, parou sobre uma das passarelas da Avenida Ipiranga para fitar o Arroio Dilúvio. Procurava peixes mortos. Na segunda-feira (2), havia visto vários boiando. Nesta terça (3), apontou para mais dois, arrastados pela correnteza lentamente, flutuando na superfície da água próximo ao cruzamento da Erico Verissimo.
— A natureza é tão generosa com a gente e a gente faz isso — comentou, triste.
O Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) realizou nesta terça-feira (3), nos cruzamentos com as avenidas João Pessoa e Praia de Belas, a coleta de amostras de água para tentar descobrir os motivos da recente mortandade de peixes no arroio. Pode demorar até 10 dias para sair o resultado. A principal suspeita é que tenha sido motivada falta de oxigênio na água devido à decomposição da matéria orgânica, proveniente principalmente do despejo de esgoto. Na análise preliminar, já foi possível observar que a concentração de oxigênio está muito baixa.
Não é a primeira vez que isso acontece. Em 21 de novembro, a reportagem registrou uma quantidade significativa de peixes mortos, também junto à foz, onde há uma barreira ecológica de contenção de lixo. James Saint Germain, 33 anos, funcionário que trabalha na limpeza da barreira, disse que o caso de segunda-feira foi pior e se mostra intrigado:
— Não sei por que isso está acontecendo.
O Instituto de Meio Ambiente da PUCRS (IMA) realiza desde junho o acompanhamento mensal da qualidade da água no Dilúvio, em cinco pontos diferentes. Diretor do instituto, Nelson Ferreira Fontoura ressalta que é muito elevada a quantidade de coliformes fecais no arroio neste momento.
— Há uma carga orgânica bastante grande, parte já vem de Viamão. Temos duas fontes principais disso: ocupações irregulares, que não têm rede de esgoto e lançam seus dejetos no arroio, e falta de separação de esgoto cloacal e pluvial de parte da rede da bacia do Dilúvio.
A última aferição ocorreu coincidentemente em um dia antes da aparição de peixes mortos em novembro. Em apenas um dos cinco pontos, justamente perto da foz, no cruzamento com a Avenida Praia de Belas, que, em razão da poluição, havia quantidade de oxigênio dissolvido mais baixa, 3,6 miligramas por litro, nível que pode afetar algumas espécies. Para referência, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) considera o que o valor ideal de oxigênio dissolvido para um viveiro de peixes é acima de 5 mg/litro.
Ele já propôs à prefeitura a realização desse teste ao longo da noite, período em que os índices de oxigênio caem mais.
— Durante o dia, com o sol, há algas que produzem mais oxigênio, então fica com valores elevados. O problema é quando anoitece: na ausência de luz, vai ter bactérias consumindo matéria orgânica, as algas também consomem o oxigênio da água, e os níveis caem. E isso vai acontecer, principalmente, em noites quentes, pois o metabolismo de todos os organismos está mais elevado e vira uma bomba relógio — justifica, acrescentando que por isso é comum que o dia amanheça com peixes mortos boiando no arroio.
Ele acredita que esse fenômeno deve se repetir novamente ao longo do verão. Embora não disponha de dados de outros anos, considera um "caso clássico de águas poluídas".
Fontoura não descarta a possibilidade de presença de algum tipo diferente de produto químico, por exemplo, que possa levar à morte de peixes no Dilúvio. Porém, ele explica que identificar qual é a molécula que possivelmente estaria gerando os danos exige análises muito específicas e caras, portanto sugere que seja esclarecida primeiro a questão do oxigênio dissolvido.
O Dmae informa que está realizando obras de implantação de redes coletoras de esgoto no sistema sanitário Ponta da Cadeia, que impactam diretamente na bacia do Arroio Dilúvio. Ressalta que a ligação de esgoto na canalização correta é responsabilidade do morador, sendo fundamental a participação da população. Em muitos locais, a rede de esgoto cloacal passa em frente ao imóvel e a casa não está ligada corretamente. Nesses casos, se o usuário tiver dúvida, deve contatar o Dmae para solicitar a avaliação.
O investimento necessário para universalização do esgotamento sanitário é de R$ 1,77 bilhão para toda a cidade, conforme o Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB). Para ampliar a rede de cobertura e, consequentemente, reduzir a emissão de poluentes no Dilúvio e no Guaíba, a prefeitura promete começar nas próximas semanas um estudo para definir a melhor modelagem para o saneamento básico na Capital.