— É uma aventura, né!?
A expressão de Andréia Regina Silva da Silva, 40 anos, define como é viver em um ônibus estacionado entre a Rodovia do Parque e o acesso à praia do Paquetá, em Canoas. Moradora do balneário de água doce, ela, o marido e os três filhos tiveram de abandonar a casa na última quarta-feira (6), quando as águas do rio dos Sinos alcançaram o último degrau da escada de acesso a casinha estilo palafita, elevada em relação ao solo por postes de madeira.
— Aqui no ônibus é bom, é tranquilo. Só improvisado, não tem chuveiro ainda. Depois que meu marido terminar o banheiro a gente vai viajar por tudo — conta, apresentando os cômodos do veículo.
O ônibus foi adquirido pela família há um ano, ao custo de R$ 50 mil, mas o dinheiro vem sendo economizado desde 2016. Além do 13º salário, o recebimento de um precatório ajudou a alcançar o montante.
Andréia e o esposo, sargento da reserva da Brigada Militar, têm o sonho de viajar o mundo sobre rodas.
— Ele sempre dizia que queria um motorhome, mas é mais de R$ 100 mil. Aí, descobriu esse de um senhor que tinha de herança e comprou, pra montar do nosso jeitinho — conta Andréia.
O espaço vem sendo reformado nos últimos 12 meses. Logo na entrada da porta dianteira há uma mesa com utensílios de café da manhã, abaixo de um armário aéreo. O teto tem forro branco, revestido com isopor para melhorar a sensação térmica. Sofá, fogão e até um rack para a TV foram colocados na sala. O único lamento é a falta de energia elétrica para assistir a novela das 21h da Rede Globo.
— Quero ver a Maria da Paz e não consigo — conta, com um sorriso contrariado.
A incomum residência não é a única vista por quem cruza a BR-448. Lado a lado, o casal de amigos Briana Angélica Silva da Silva, 42 anos e Rogério Nunes, 50, também dormem em um coletivo adaptado.
— É a vida. A gente precisa improvisar pra viver né — justifica o entregador, sentado em uma cadeira de praia no “jardim” de casa, formado pela vegetação de um barranco do rio.
O ônibus utilizado pelo casal foi emprestado pelo irmão de Briana.
— Lá na (praia de) Paquetá a água tava cobrindo as rodas e se chegasse no motor ia estragar. Por isso, viemos pra cá também — explica a dona de casa.
Com a Estrada da Prainha totalmente submersa, os moradores só conseguem entrar e sair das cerca de 70 casas do vilarejo de barco.
— Moro há 12 anos aqui e é sempre assim, pelo menos uma vez por ano — estima o comerciante Arildo Araújo, 39 anos.
Diariamente, ele navega até o início do alagamento e aguarda um revendedor, única maneira de abastecer o estoque de seu mercadinho.
De acordo com a Defesa Civil de Canoas, a região é afetada pelas águas do Rio do Sinos — que inunda as ruas — e também pelo Rio Jacuí, responsável pelo alagamento na parte dos fundos dos terrenos ribeirinhos.
O Rio do Sinos subiu 1,20 metro em uma semana, atingindo atualmente a marca de três metros. Apesar da elevação, o secretário municipal da Defesa Civil, coronel Rodolfo Pacheco, é otimista ao analisar os números da noite desta quinta-feira (7).
— Esperávamos 25 centímetros, mas subiu apenas cinco. Sem vento, nos da uma boa perspectiva — afirma o representante do município.