A duplicação da Avenida Tronco estava prevista havia 40 anos no Plano Diretor de Porto Alegre, mas isso não evitou que saísse do papel como se fosse de improviso.
Como resultado, a obra sonhada para a Copa do Mundo na Capital já soma cinco anos e meio de atraso e deverá ser concluída somente em setembro de 2022. Caso o prazo se confirme, completará uma década de trabalho e transtornos à população para alargar 6,5 quilômetros — em uma média, na melhor das hipóteses, de 650 metros por ano.
A falta de projeto prévio e dificuldades de transferência de 1,4 mil famílias que viviam no eixo da via ajudam a explicar por que a melhoria na ligação com a Zona Sul se arrastou muito além do aceitável e ainda sofre com paralisações que complicam o trânsito e a vida das comunidades próximas. Os entraves, ao menos, oferecem lições que podem ser utilizadas pelo setor público em futuros projetos que envolvam áreas habitadas.
Os problemas da Tronco têm raízes antigas. Em 2010, quando a intervenção foi incluída no pacote da Copa, o município cogitava terminá-la em dois anos. Era uma demonstração de que faltava conhecimento sobre a complexidade para construir as duas pistas com corredor de ônibus e ciclovia em um trajeto densamente povoado. Mais do que um esforço de engenharia, era uma obra social. Por isso, seria crucial investir tempo e recursos em preparo e planejamento. Isso não ocorreu.
— O município sabia há 40 anos que a obra seria feita. Quantos governos passaram e nenhum planejou ou fez o projeto. Quando chegou a Copa, foi preciso fazer tudo correndo. Não tinha nada — conta o engenheiro contratado para gerenciar a elaboração dos projetos da Copa doados à prefeitura pelo Centro das Indústrias do Rio Grande do Sul (Ciergs), Paulo de Tarso Dutra.
Essa é a primeira lição que o episódio da Tronco tem a oferecer:
1) Não há boa obra sem bom projeto: além de não ter um plano prévio, não havia clareza sobre o que seria feito na região. De início, para cumprir o prazo até a Copa, a ideia era duplicar apenas o eixo principal da Tronco até as proximidades do Jockey. Nos meses seguintes, os estudos técnicos tiveram de ser refeitos meia dúzia de vezes por alterações no escopo da obra cujo custo atualizado chega a R$ 157 milhões.
— Quando já estava pronto o levantamento topográfico, a prefeitura decidiu que a duplicação chegaria até a Terceira Perimetral. Depois, resolveram avançar um pouco na área do Jockey. Mais tarde, resolveram ir até o Olímpico. Houve também alteração na parte de drenagem. No total, o projeto foi modificado umas seis vezes. A intenção era melhorar, mas complica — conta Dutra.
Para isso, seria importante ter tomado medidas anteriores que levam a outros ensinamentos.
2) Monitorar regiões destacadas no Plano Diretor: se o Plano Diretor prevê uma intervenção em uma determinada área da cidade, o poder público precisa ficar atento ao que ocorre ali e levar isso em consideração nas ações de planejamento.
— Pelo menos nas três revisões anteriores do Plano Diretor (realizadas a cada 10 anos) já havia invasões de área no traçado da Tronco. Alguém deveria ter visto isso e colocado em discussão o que deveria ser feito, de forma antecipada — analisa o secretário-adjunto de Planejamento e Gestão do município, Daniel Rigon.
Como nenhuma gestão fez isso, o problema caiu no colo de quem resolveu implantar as melhorias viárias.
3) Priorizar reassentamentos e desapropriações: um dos obstáculos no caminho da Tronco é a liberação do terreno. No momento, restam 49 imóveis com 53 famílias na região, o que ainda dificulta a abertura de frentes de trabalho. Não é um problema simples, já que moradores sempre podem recorrer à Justiça. Mas algumas medidas reduziriam os transtornos, como fazer levantamentos socioeconômicos detalhados, com antecedência, e utilizar essas informações para propor um plano de reassentamento adequado a cada região. Outra lição, na avaliação de Rigon, é encaminhar à Justiça o mais cedo possível os casos de quem não quer acordo.
4) Garantir o fluxo de pagamentos: a obra também sofreu com falta de recursos. Construtoras voltaram a paralisar os trabalhos este ano reclamando de atraso no pagamento de R$ 3 milhões — que a prefeitura informa ter sido regularizado. A falta de verba havia interrompido os serviços entre 2016 e 2018 - quando o município conseguiu da Caixa R$ 15 milhões para pagar bônus-moradia e aluguel social. O prefeito Nelson Marchezan tem repetido que, em razão das duras lições deixadas pelas obras da Copa, novas intervenções só são autorizadas com garantia de todo o dinheiro necessário para terminá-las.
— Um dos principais aprendizados é que devemos gastar de 40% a 50% do tempo total de uma obra com planejamento, e o restante com execução. A média fica em 10% — afirma o secretário municipal de Infraestrutura e Mobilidade, Marcelo Gazen.
"Avenida Tronco" não existe
O que se convencionou chamar de "duplicação da Avenida Tronco", na verdade, não é bem isso. Nem mesmo existe uma Avenida Tronco na Capital, apenas a vila que emprestou seu nome, como apelido, à Avenida Moab Caldas. O plano prevê o alargamento e a urbanização de uma série de vias como Divisa, Cruzeiro do Sul, Moab Caldas, Silva Paes, Teresópolis e Gastão Mazeron desde as proximidades do Jockey Club até uma rótula em que a obra se bifurca: um ramo segue em direção ao Estádio Olímpico, e outro encontra a Terceira Perimetral.