A bola que sobe e desce sem tocar as ondas da Rua da Praia, no centro de Porto Alegre, motiva o virar de pescoço de várias pessoas, mas nem todas revertem a curiosidade no apoio que Lara Schüler precisa. A gaúcha de 24 anos bateu o recorde mundial de embaixadinhas em maio de 2018, mas precisa pagar ao Guinness US$ 1,5 mil para seguir no processo de homologação da façanha.
— Eles consideram que eu usei a marca (do Guinness) na divulgação do meu sonho e, por isso, consideraram quebra de contrato, não aceitando a prova por vídeo — diz a detentora da marca de 12 horas e um minuto, filmada na sede da Federação Gaúcha de Futebol (FGF).
A marca atual registrada no livro dos recordes é de outra gaúcha, a caxiense Claudia Martini, que suportou oito horas e 24 minutos de esforço contínuo, em 2011.
O valor para levar o processo adiante é elevado para a família de Lara, que vive da agricultura no interior de Taquara, no Vale do Paranhana. A quantia é buscada quase que diariamente na Rua dos Andradas, no centro da Capital.
Com ambos os pés, ela deita ao solo e suporta a bola com o peito. Desce até a canela e faz balõezinhos de sola, desfiando a gravidade. O público para e observa. Mas a caixa de sapatos azul, postada ao lado do banner que exibe o feito da jovem, tem mais cartões de visita do que notas ou moedas.
— Buscar o meu sonho é o que me move todos os dias a levantar e continuar correndo atrás. A energia que recebo é sempre positiva. Sem isso eu não vivo. Preciso do esporte na minha vida — ressalta, mantendo o controle da bola, enquanto agradece pelas moedas depositadas na caixinha.
Os 75 quilômetros que a separam da Capital são feitos, sempre que possível, de carona, para evitar o gasto de R$ 25 do ônibus.
— Os eventos que faço, quando alguém me contrata, são o que me ajudam a chegar perto do dinheiro para o Guinness. Na rua, as vezes o dinheiro dá só para a passagem — afirma, sem outra vez ser otimista ao lembrar de quando voltou para casa com R$ 300.
Buscar o meu sonho é o que me move todos os dias a levantar e continuar correndo atrás.
LARA SCHÜLER
Com Ensino Médio completo, a atleta afirma que, depois de vencer a batalha pela homologação, quer entrar para a faculdade, no curso de Educação Física. Quando adolescente, tentou ser jogadora profissional.
— Naquela época o jeito era sair de casa, ir pra fora do Estado, mas eu não tinha condições. Ouvi de meninas que foram a São Paulo e passaram fome. É muito difícil a realidade do futebol feminino.
Apesar das dificuldades, a garota de sorriso largo não se queixa e prefere agradecer quem a elevou ao nível de disputa mundial na modalidade: a preparadora física do Inter Suellen dos Santos e o fisioterapeuta Jerry Fabiano Ribeiro, que até hoje a atendem gratuitamente no fortalecimento da musculatura. Tem espaço até para o ex-cunhado, Luiz Carlos Calai.
— É meu segundo pai, acreditou mais em mim do que eu mesma. Durante a caminhada apareceu muita gente, mas depois foram desistindo. Penso em quem ajuda todo dia aqui no Centro, com total gratidão.
O vigilante Jonas Oliveira da silva, 52 anos, deixou uma nota à garota, após observá-la boquiaberto.
— Magnífico. Ela é uma guerreira. Olhar para ela é encarar a vida com outra perspectiva, pois está buscando um jeito de crescer.
Presidente eleito da FGF, Luciano Hocsman afirma que a instituição sempre apoiou a gaúcha.
— Abrimos as portas da federação e demos todo suporte que ela precisava para a filmagem, além de divulgação também nos estádios.
Com a certeza que há nomes que condicionam destinos, Lara mostra a tatuagem sobre a palma da mão direita: "Mãe", ao lado de um coração.
— Minha mãe se chama Marta, o maior exemplo do futebol feminino, exemplo para todas as mulheres.