A presença da Guarda Municipal e da Brigada Militar inibiu a ação de flanelinhas na orla, em Porto Alegre, neste domingo (1). As duas forças atuaram no local com vários agentes e viaturas e também promoveram abordagens. Na semana passada, o prefeito Nelson Marchezan afirmou que quer proibir por lei a atividade, porque muitos motoristas sentem-se "constrangidos, coagidos e ameaçados", e classificou como preocupante a situação junto ao Guaíba:
— Tem gente cobrando de R$ 10 a R$ 20 na orla. Isso não é possível — afirmou.
No meio da tarde, com a área de lazer lotada, chegou a haver três viaturas da Guarda Municipal estacionadas no calçada diante da Usina do Gasômetro. Bem em frente, do outro lado da Avenida Presidente João Goulart, na praça Julio Mesquita, três policiais militares estavam a postos. Uns 100 metros adiante, na rótula com a Avenida Loureiro da Silva, havia mais guardas municipais e PMs. Em consequência, mesmo sem a lei de Marchezan, não se avistavam flanelinhas em todo o trecho.
— Botaram a Guarda Municipal e não tem nenhum cara guardando carro! — surpreendeu-se uma ciclista, ao passar pelo local.
Em pontos próximos, no entanto, os guardadores de carros continuavam a trabalhar. Um deles, de jaleco amarelo, encontrava-se na própria Presidente João Goulart, mas do outro lado da usina, em direção ao Centro. Por volta das 16h, dois carros da Guarda Municipal pararam e conversaram com o homem.
Depois da abordagem, o flanelinha se afastou, parecendo que ia embora. Mas quando viu que uma motorista manobrava junto a uma vaga, voltou correndo. Postou-se ao lado do carro, mas sua atenção estava voltada a vigiar as viaturas, que já estavam dezenas de metros adiante. Quando a condutora desembarcou, ele não foi direto até ela, como havia feito com outros motoristas. Esperou que se misturasse a outras pessoas no meio da calçada e então a abordou. A mulher tirou uma cédula da bolsa. Ela não quis dar entrevista, mas contou ter pago os R$ 10 pedidos pelo homem.
A maior concentração de guardadores era encontrada perto da rótula, em uma área do Parque Maurício Sirotsky Sobrinho onde há espaço para dezenas de automóveis. Ali, os flanelinhas montaram junto à entrada uma guarita e um toldo. Eles se põem em fila e vão, um a um, em ordem, apanhando os clientes que chegam em busca de uma vaga.
Por volta das 16h, um grupo de policiais militares apareceu no local e pôs um fim momentâneo ao sistema. A maior parte dos guardadores que estava em atuação deixou o local às pressas, mas seis homens foram alvo da batida da BM. Eles foram identificados e passaram por uma checagem de antecedentes. Depois de cerca de meia hora, foram liberados. O responsável pela operação, que se identificou como soldado Roberto, disse que o objetivo era inibir a ação dos flanelinhas.
— É focado em coibir a ação irregular e a extorsão — afirmou.
Um dos alvos da abordagem foi o guardador Richard Júnior Teodoro, 26 anos. Diferentemente de vários colegas, que preferiram ir embora, ele continuou a trabalhar depois que os PMs deixaram a área.
— Vou voltar. A gente tem de levar o nosso pão para casa — afirmou.
Teodoro é credenciado como guardador junto a uma cooperativa e, por isso, reivindica o direito de atuar na orla.
— Os que não têm credencial correm para o mato. Eu não corro. Sou credenciado. Estive preso, larguei o crime e me credenciei. Agora sou barrado. Se eu disser que nunca cobrei dos motoristas, vou estar sendo hipócrita. Mas só falo assim: "Pode deixar R$ 10?" Tem uns que abusam, cobram R$ 30.
Nas imediações, assistindo à abordagem da Brigada, havia um grupo de guardadores também credenciados junto a cooperativas, mas que afirmavam estar sem trabalhar nos últimos meses por causa da pressão da Guarda Municipal e da BM.
Valmir Camargo, 32 anos, afirmou trabalhar como flanelinha na orla desde os 13 anos. Ele renova mensalmente a carteirinha, segundo ele a um custo de R$ 60.
— Quem não tem carteirinha é que trabalha pelo errado. Tem de ver quem é errado e quem é certo. Não são todos que extorquem — afirmou.
Jonatan Soares, 19 anos, contou que a mãe também é flanelinha e disse ser irmão de Sheron Peres, uma guardadora que foi morta a tiros junto à Usina do Gasômetro, em 2017. Segundo Jonatan, ela foi assassinada por tentar impedir o roubo de um carro.
— Quando ela morreu impedindo um roubo, não tinha Brigada Militar nenhuma para ajudar. Agora está cheio. Não tem mais como a gente trabalhar. Eles não deixam — reclamou.
O Secretário Municipal de Segurança, Rafael Oliveira, afirma que ações integradas da Guarda Municipal, da Brigada Militar e da Polícia Civil para coibir flanelinhas têm sido realizadas há mais de dois meses. Na últimas cinco operações, segundo ele, foram apanhados cinco foragidos. Oliveira reconhece que a legislação atual não proíbe a atividade, mas afirma que o trabalho visa impedir os achaques. A orientação dada aos agentes da Guarda Municipal, disse o secretário, é abordar os guardadores, identificá-los e pedir que se retirem.
— Está em vigor uma lei que regulamenta essa profissão. O que não está em vigor é achacar motorista. Isso é crime. Com crachá, com colete, com o que quiser, o flanelinha não vai extorquir o motorista e o cidadão de bem. Resolvemos adotar uma política de tolerância zero em relação a esse tipo de atividade. Não é possível que o cidadão trabalhe a semana toda, vá estacionar e a primeira coisa que depara é com achacador. Ali impera o medo, principalmente das mulheres. Ameaçam danificar o carro se a mulher não paga R$ 30, R$ 40, até R$ 50. Esses sujeitos estão ali, muitas vezes drogados, alcoolizados. Muitas vezes estão ali ou para sustentar seu vicio ou para servir de pequeno traficante ou de olheiro para furto em veículos ou para um roubo de veículo — afirma Oliveira.
Caso aprovado, o projeto de lei proposto por Marchezan extinguirá uma atividade regulamentada há mais de 30 anos na Capital e que conta, atualmente, com mais de 1,4 mil guardadores cadastrados. Para atuar, eles precisam apresentar atestado de bons antecedentes, certidão negativa dos cartórios criminais e só podem trabalhar em locais autorizados pela prefeitura.