Se a noite promete ser uma das mais frias do ano, a solidariedade tratou de deixar a situação um pouco menos drástica em Porto Alegre. Desde as 18h de sexta-feira (5), uma hora e meia antes do previsto, o Gigantinho abriu os portões para receber pessoas em situação de rua. O termômetro marcava 9°C, mas a sensação na rua era bem mais baixa, o que fez com que os organizadores antecipassem o ingresso.
Logo na entrada, voluntários faziam o cadastramento de todos. Os pertences eram etiquetados e guardados para serem retirados somente na manhã seguinte. Os que aceitavam, recebiam vacina contra a gripe. Até as 20h, 180 pessoas já haviam ingressado no ginásio.
Os necessitados puderam dispor de colchões (colocados lado a lado no meio da quadra), cobertores e roupas quentes — doadas aos montes desde quinta-feira (4) — para encarar a madrugada debaixo do teto do ginásio de esportes do Inter. Pães com mortadela e margarina e com chimia foram distribuídos antes da janta, marcada para as 21h30min — quando foi servido um sopão, com legumes, verduras e galinha, acompanhado de pão e suco. Na manhã de sábado (6), um café da manhã será oferecido por volta de 8h, horário em que o local precisa ser desocupado.
Enquanto aguardavam o jantar, os abrigados conversavam entre si e com os voluntários sobre como seria a noite.
— Isso hoje aqui é muito bom. Quando a gente fica na rua, podem passar os boyzinhos e tacar fogo na gente — dizia Sandro, 46 anos, que vive há 21 nas ruas.
A estrutura foi montada para 300 pessoas, mas pela grande quantidade de colchões e cobertores doados poderá receber mais, se necessário. O limite estabelecido para entrada dos moradores em situação de rua é 21h30min. Segundo a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), enquanto tiver lugar, ninguém será barrado.
A iniciativa de abrigar pessoas no Gigantinho, uma parceria do Inter com a prefeitura de Porto Alegre, foi inspirada no exemplo do River Plate, da Argentina. Na quarta-feira (3), o clube argentino abriu as portas do Estádio Monumental de Nuñes para ajudar desabrigados em uma noite gelada de Buenos Aires.
O exemplo também foi seguido pelo Sport Club São Paulo, que colocou a estrutura do Aldo Dapuzzo, em Rio Grande, à disposição para receber moradores de rua durante a madrugada desta sexta-feira para sábado.
Em março de 2018, no inverno europeu, o Sunderland fez algo semelhante na Inglaterra. O clube reservou uma sala aquecida no Estádio da Luz para receber desabrigados e os animais de estimação que eventualmente estivessem acompanhando essas pessoas. À época, nevava por lá.
Sem rivalidade
Por aqui, se a casa é do Inter, o Grêmio mostrou que não há espaço para rivalidade quando o assunto é ajudar quem precisa. Com alimentos e cerca de 600 cobertores, gremistas chegaram ao Beira-Rio em dois ônibus para fazer a entrega das doações na tarde desta sexta. Foram recebidos com aplausos e abraços pelos colorados. Depois, posaram para fotos.
— Isso mostra para a sociedade que Grêmio e Inter são solidários a todas as ações. Hoje, o Inter está abrindo a casa, e o Grêmio, contribuindo. Vamos fazer a cidade um pouquinho mais quente para as pessoas que mais precisam — disse o gremista Rodrigo Kandrik, que também é diretor de Esportes, Recreação e Lazer da prefeitura, em entrevista à Rádio Gaúcha.
— Essas pessoas (moradores de rua) também são torcedores da Dupla Gre-Nal. É um ato espetacular — completou José Segala, dirigente da Camisa 12, torcida organizada do Inter.
Nesta sexta, contudo, o que menos importavam eram as cores clubísticas. Voluntários de diversas entidades públicas e privadas estavam mobilizados para que tudo desse certo no Gigantinho. A estimativa dos organizadores era servir 300 porções de sopa, mas, no começo da noite, o cozinheiro Júlio Ritta, idealizador da associação comunitária social Cozinheiros do Bem, disse que havia condições de atender 600 pessoas com a refeição, reforçada de pão e suco. Pela manhã, será oferecido café com leite, pão e frios aos desabrigados, que poderão levar os cobertores na saída — os colchões vão para a Defesa Civil.
Atendimento médico
As filas no entorno do Gigantinho começaram por volta das 15h. Eram moradores de rua que haviam passado por outras instituições e acabaram sabendo da movimentação para os lados da Avenida Padre Cacique. Resolveram conferir.
— Lá no Tesourinha eles comentaram. Almocei e vim direto para cá — disse Paulo Ricardo da Silva, 53 anos, um dos primeiros a chegar.
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Porto Alegre aproveitou a ação e disponibilizou uma unidade móvel. Médicos psiquiatras, psicólogos e enfermeiros foram destacados para atender a população. Também foram aplicadas doses da vacina contra a gripe, e testes rápidos de HIV, Sífilis, Hepatites, Tuberculose.
A presidente da Fasc, Vera Ponzio, comemora a união de esforços para atender aos mais necessitados. Lembra que muitos começarão a ser acompanhados a partir de agora.
— Resultantes desta ação, tem um processo de acompanhamento que poderá ser estabelecido. Algumas dessas pessoas estão vindo pela primeira vez. Então, na sequência, vamos continuar fazendo o acompanhamento dessas pessoas — adianta.
Quem flagrar pessoas em situação de rua pode acionar a Central de Abordagem Social do município pelos telefones (51) 3289-4994 (das 8h30min às 21h) ou (51) 3346-3238 (após as 21h). Segundo a prefeitura, além das mais de 300 vagas que foram disponibilizadas no Gigantinho na ação desta sexta, existem hoje outras 415 vagas nos albergues da cidade.
Alguns números da noite
- Expectativa de atender 300 pessoas
- 50 mil peças de roupas
- 7 toneladas de alimentos
- 2 mil cobertores
- Cerca de 3 mil litros de água