A concessionária Fraport, que administra o aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, decidiu se manifestar após reportagem de GaúchaZH publicada na terça-feira (16) listar seis trechos do contrato com a União que atribuem à empresa alemã a responsabilidade com custos decorrentes de desocupações, remoções, desapropriações e indenizações de famílias para liberar áreas em que estão previstas obras de ampliação do terminal aéreo. A assessoria jurídica da Fraport avaliou que, apesar dos termos contratuais, não há pendência financeira a ser suportada.
— O contrato de concessão diz, sim, que esse custo de remoção, desapropriação e indenização é do concessionário, mas não afirma que esse custo existe. A Lei Geral das Concessões tem o dispositivo de que desapropriações e indenizações serão do concessionário, isso é cláusula padrão. Não significa dizer que, no caso da Vila Nazaré (que precisa ser removida para a obra de ampliação da pista), esse custo seja do concessionário. O contrato não estabelece isso — argumenta advogado da assessoria jurídica da Fraport, que pediu para não ser identificado sob justificativa de segurança.
Entrave
A empresa alega que a primeira etapa legal do procedimento já ocorreu, que foi a desapropriação da área da Vila Nazaré via decreto, fato consolidado antes mesmo de a Fraport se credenciar à gestão do Salgado Filho. O entrave é que cerca de 1,5 mil famílias permanecem na região, algumas residentes há décadas, com rendas baseadas em comércios locais, por exemplo.
Para realocar os moradores e permitir a ampliação da pista em 920 metros, o governo federal construiu dois empreendimentos habitacionais, um no bairro Sarandi e outro no Rubem Berta. Isso ocorreu antes mesmo de a Fraport vencer a licitação do Salgado Filho.
Agora, o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU), baseados no contrato, cobram judicialmente que a concessionária promova reembolso ao governo federal, calculado em R$ 146 milhões. Isso serviria para que a Fraport bancasse os custos da União com as soluções habitacionais. O MPF e a DPU não requerem o depósito de dinheiro da empresa em favor do governo, mas, sim, que a companhia empregue os recursos na construção de uma terceira área que sirva de opção aos moradores da Vila Nazaré.
Desocupação
A Fraport apresentou seus argumentos para refutar essa hipótese. Na avaliação da empresa, as famílias devem sair da Nazaré, rumar para uma das duas opções habitacionais já construídas pelo governo e, depois, o terreno estará liberado para que seja feita a obra de ampliação da pista.
— As áreas são públicas, foram desapropriadas pelo Estado, e estão na posse de terceiros.
Juridicamente, a Fraport poderia ingressar com reintegração de posse. A jurisprudência do Tribunal Regional Federal é de que a posse de área pública é precária, não gera nenhum direito.
E o Superior Tribunal de Justiça tem súmula no sentido de que a posse de terra pública não gera direito de indenização por benfeitoria. A obrigação da Fraport é desocupar a área, que é pública – informa o advogado da companhia.
Apesar da menção à reintegração de posse, a Fraport afirma que qualquer opção extrema está descartada. A assessoria jurídica reiterou a intenção de buscar alternativas que respeitem os indivíduos e estejam focadas no desenvolvimento do Estado. A empresa ainda ressaltou sua tradição de cumprimento de contratos e assegurou estar “fazendo mais do que seria a sua obrigação” para solucionar a desocupação da Vila Nazaré.
— Temos política de construção do diálogo. A concessionária não considera partir para uma remoção forçada — diz o advogado.
Documento “não prevê gastos”, afirma a Anac
Na quarta-feira, dia da publicação da reportagem de GaúchaZH sobre o contrato de concessão do aeroporto Salgado Filho, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) se manifestou no processo judicial da 3ª Vara Federal de Porto Alegre. Para o órgão regulador, um dos signatários da concessão à Fraport, “o contrato (...) não prevê gastos com desapropriação (...), porque o poder público já havia feito os gastos relativos às desapropriações necessárias para as modificações, cabendo à concessionária apenas a retirada dos ocupantes do local há muito desapropriado e incorporado aos bens do Estado e da União”.
O documento da Anac anexado ao processo judicial destaca que imputar custos habitacionais à empresa causaria impacto no equilíbrio econômico-financeiro. “Obrigada a Fraport a fornecer moradia aos detentores das áreas de ocupações ilícitas, irá onerar o contrato, gerando prejuízo à Anac, que terá de ajustar o contrato, sendo o valor do ‘reassentamento’ custeado por usuários do aeroporto”. Sobre o direito de moradia, a petição alegou se tratar de “atribuição de atuação dos municípios”, no qual a Justiça estadual seria a esfera competente para eventuais postulações.