Um elevador não projetado por profissional, acionado por meio de um controle remoto de portão de garagem, sem sistema de frenagem automática, sem trava de segurança, sem freio a motor, sem cancelas com trava de segurança nos pavimentos, sem placa indicando o peso máximo de carga e com cabine construída com madeira compensada. Essas são algumas das irregularidades constatadas pela Superintendência Regional do Trabalho no elevador da loja Armarinho Gaúcho, que despencou causando a morte da funcionária Jéssica Aparecida Correa dos Reis, 27 anos, no ano passado, em Porto Alegre.
O acidente ocorreu na matriz da Armarinho Gaúcho, na Estrada João Antonio da Silveira, no bairro Restinga, Zona Sul, em 10 de novembro. GaúchaZH teve acesso ao relatório dos auditores fiscais do Trabalho que inspecionaram o local depois do falecimento de Jéssica. As conclusões apontam para irregularidades no equipamento que podem ter contribuído para o acidente e a morte da funcionária. O trabalho é da Seção de Segurança e Saúde do Trabalhador.
No item sobre “fatores causais que contribuíram para ocorrência do acidente”, o documento destaca dois pontos: 1) elevador de cargas inadequado, sem itens mínimos de segurança indicados em normas técnicas; 2) não havia comprovação de realização de manutenções. As fotos que constam do relatório mostram que o elevador era completamente improvisado, caseiro, com fiação solta e partes tortas e quebradas.
— Não é fácil, é muito difícil assimilar, pois a lógica é o filho enterrar os pais. Busquei o laudo no Ministério do Trabalho e foi muito triste. Minha esposa queria ver — diz o funcionário público federal José Luis Molina dos Reis, 61 anos, pai de Jéssica.
A família contratou um advogado para acompanhar o caso e deverá ingressar com ação judicial contra a loja. Depois de ficar um ano e meio desempregada, Jéssica, que era casada e tinha uma filha de três anos, trabalhava na Armarinho Gaúcho havia cinco meses. Cumpria expediente entre as 12h45min e as 19h. O acidente ocorreu por volta das 13h30min, pouco depois de chegar ao trabalho. Conforme familiares, Jéssica era auxiliar de vendas na loja, e não era sua função o carregamento de produtos.
Quando ocorreu a queda, ela estava no segundo andar do prédio colocando mercadorias no elevador, que era destinado exclusivamente ao transporte de cargas. O equipamento teria despencado no momento em que a comerciária colocou os pés nele para largar mercadorias. Ela morreu na hora em razão do impacto com o chão.
Logo depois do acidente, auditores fiscais do Trabalho já haviam emitido três autos de infração contra a loja, que também teve o elevador interditado.
O primeiro diz respeito à falta de uma placa dentro do equipamento indicando o limite e a proibição de transporte de pessoas. O documento aponta que a “falta de controle de carga e de peso máximo no interior do elevador pode ter contribuído para que o mesmo despencasse”.
O segundo tratou da ausência de barreira em todos os acessos do elevador. Foi registrado pelos ficais que “a falta de barreira tipo cancela no acesso à torre do elevador no nível solo pode ter contribuído para a morte da trabalhadora”. Por fim, o auto descreve a falta de frenagem automática no sistema, que era tracionado por cabos. Os fiscais escreveram: “Se houvesse sistema de frenagem automática, possivelmente não teria havido o acidente”.
A loja teve prazo para apresentar defesa dos autos de infração. As respostas da Armarinho Gaúcho ainda estão sob análise.
Com base no relatório dos auditores fiscais do Trabalho, que foi concluído recentemente, a 16ª Delegacia da Polícia Civil deve fechar, nos próximos dias, o inquérito sobre as circunstâncias da morte de Jéssica.
Contraponto
O que diz Paulo Ricardo Suliani, advogado de Ronaldo Iranso Ramos, proprietário da loja Armarinho Gaúcho: “Só vamos nos manifestar depois que o inquérito for concluído”.
As conclusões
Com base em imagens captadas pelas câmeras de segurança, o documento indica que o corpo da funcionária foi projetado para fora em razão do impacto da queda e que, nesse momento, a cabeça de Jéssica bateu em um carrinho que estava na frente do elevador (GaúchaZH tem as imagens de vídeo e as fotos da sequência da queda, mas não divulga por respeito à família da vítima).
Sequência de fotos mostra o espaço do elevador no nível térreo e destaca a falta de cancela de proteção e o botão para acionar o elevador (1), que era feito por meio de um controle remoto de portão de garagem (2).
Fotos mostram o elevador no primeiro nível do prédio, por onde passou durante a queda (3). Auditores destacaram haver “defeitos construtivos” e que a cancela existente “não possui sensores nem intertravamento” (6).
Imagens incluídas no relatório revelam problemas no sistema de contrapeso usado para levantar a cancela: “mas o mais estranho é o amadorismo e improvisação da construção deste contrapeso, que está situado dentro do banheiro próximo, com o cabo de aço passando por furos das paredes e com o contrapeso correndo em um tubo feito com dois canos de PVC, de diâmetros incongruentes e um deles quebrado”.
No andar onde a queda teve início, mais uma vez são destacados “vários defeitos construtivos” e que a “cancela existente não possui sensores nem intertravamento”. Também foi destacado o sistema improvisado de acionamento: “o sistema de chamada é um comando remoto de garagem que pode ser acionado sem saber se a cancela do andar de cima está aberta”.
Nas imagens da parte superior da cabine do elevador (4), onde ficam presos os cabos de sustentação, foi descrito: “o clipe é do tipo errado, pois é um clipe tipo leve quando deveria ser do tipo pesado. Só há dois clipes, quando deveria ser no mínimo três clipes. Observar a deformação do perfil do lado direito, demonstrando a falta de adequação dos materiais usados aos esforços a que são submetidos”.
Uma sequência de sete fotos mostra novamente o controle de garagem usado para acionar o elevador e a precariedade da fiação, completamente exposta. Está escrito:
“O sistema de chamada é um comando remoto de garagem que pode ser acionado sem saber se a cancela do andar de cima está aberta. Observar a forma improvisada com que o conjunto é montado, com o circuito de controle de portão de garagem improvisado como central de controle do elevador. Observar a falta de cuidado com a fiação do sistema improvisado de controle. Fios com emendas improvisadas. Fios expostos e desprotegidos. Fios com partes de cobre expostas. Fios aparentemente fora de uso misturados aos fios efetivamente sendo usados. Fios bloqueando parcialmente o acesso à porta. Fios enrolados e caídos sobre parte do estoque e pela lateral da caixa do elevador (5)”.