Funcionalidade recente do Uber e demanda antiga dos condutores em razão da segurança, a possibilidade de visualizar o bairro de destino dos passageiros antes de aceitar a viagem é celebrada pelos parceiros da empresa. A alteração no aplicativo disponibilizada desde o último dia 13, porém, pode tornar ainda mais difícil a vida de moradores de áreas consideradas de risco, como os bairros Rubem Berta, Lomba do Pinheiro, Mario Quintana e Restinga, em Porto Alegre, além de cidades da Região Metropolitana como Alvorada e Viamão, rotas há muito já evitadas por parte dos condutores.
– Estou rejeitando mais corridas. Durante o dia vou a qualquer lugar, mas à noite tenho receio. Não é pelo passageiro, é pelo embarque e desembarque – diz Eduardo Gomes, 37 anos.
– Isso é bom, porque tu não fica mais com uma venda nos olhos. Consegue ter uma base. Pegar Alvorada à noite, por exemplo, é difícil – avalia Anderson Lamper, 33 anos.
A postura de Gomes e Lamper é compartilhada por outros companheiros. Dos mais de 10 parceiros da Uber ouvidos pela reportagem na quinta-feira (17), apenas um disse que a mudança não afetou a rotina de trabalho. A maioria confessa evitar viagens para zonas desconhecidas ou que considerem arriscadas – e, muitas vezes, as duas coisas andam juntas. Bairros das zonas Norte e Leste, assim como a Restinga, a Vila Cruzeiro e os municípios de Alvorada e Viamão, estão no topo da lista dos rejeitados.
– Para quem conhece a região é uma coisa boa. Vai demorar mais para o passageiro, talvez, mas sempre tem o motorista que conhece o lugar e que vai pegar a corrida – diz Alexandre Boldrini, 49 anos.
Apesar de ter facilitado a vida dos motoristas, Boldrini defende que a medida ainda está aquém do esperado. Segundo ele, o ideal seria que o app informasse o endereço completo de chegada, como faz a concorrente 99. Avalia que, dessa forma, passageiros que vão para vias consideradas mais tranquilas não seriam penalizados.
A nova funcionalidade do aplicativo formalizou uma prática que já vinha sendo adotada pelos profissionais. Depois de diversos casos de violência envolvendo motoristas da Uber, parte dos condutores passou a usar táticas para evitar a exposição a situações insegurança. Uma das mais difundidas, segundo relatos, era a avaliação negativa de quem solicitava viagens para essas áreas.
– A nota diz tudo sobre o passageiro. Se é baixa, ou ele vai te levar para um lugar muito ruim, ou é mal educado – conta Michael Douglas Hoff, 25 anos.
Os testes para a adoção do mecanismo tiveram início em setembro passado. Além de Porto Alegre, os motoristas de Curitiba (PR) e Florianópolis (SC) também conhecem o endereço final antes de aceitarem a viagem. Além de saberem para onde levarão o passageiro, os motoristas são informados, agora, se a chamada foi feita por uma pessoa com menos de cinco viagens – o que é considerado usuário novo.
Moradores de bairros evitados relatam dificuldades com app
Moradora do bairro Rubem Berta, na zona norte da Capital, a relações públicas Luana Daltro, 24 anos, lembra de ter comemorado, anos atrás, a chegada do Uber a Porto Alegre. Mas a dificuldade em conseguir concretizar viagens tem minado a relação da usuária com a plataforma.
– Todo mundo fala que o Uber veio pra democratizar o serviço por ter um preço mais acessível. Mas é um serviço totalmente seletivo. Moro numa região que não tem tráfico, mas existe um estigma. Parece que a gente está pedindo um favor – lamenta a jovem, que recentemente habilitou o pagamento com cartão de crédito na esperança de que a aceitação aumentasse.
Segundo Luana, não foram raras as vezes em que motoristas cancelaram a corrida depois de descobrir o destino – o bairro tem um dos mais altos índices de violência da Capital. Teme que com a mudança no app as rejeições aumentem, prolongando o tempo de espera.
A preocupação é a mesma de Andressa Santos, 19 anos. Moradora da Rua Manoel Sadi Chaves de Vargas, na Lomba do Pinheiro, ela diz que tem dificuldades em se deslocar com motoristas da Uber à noite – já chegou a ter três solicitações rejeitadas em sequência. Segundo ela, que muitas vezes recorre a outros apps, vizinhos e familiares costumam passar pelo mesmo problema.
– Meu primo mora em outro bairro e quando precisa vir à Lomba do Pinheiro, à noite, os motoristas não aceitam. Se já não funcionava direito, agora acho que vai ser menos ainda. Ou a gente parte pra outro app ou vai ter que ir de ônibus – diz.
Procurada, a Uber não se manifestou a respeito do assunto até o fechamento desta matéria.