Não é que eles sejam discretos: encravados no meio da calçada por um poste metálico e cobertos por uma estrutura de fibra de vidro que parece prestes a engolir a cabeça de quem se posiciona embaixo, os orelhões estão longe de ser o tipo de coisa que passaria despercebida numa cidade.
Mas a tecnologia encarregou-se de desviar o olhar dos telefones públicos, que começaram a sumir das vias nos últimos anos sem que se desse falta deles. No Rio Grande do Sul, pularam de mais 65 mil em 2009 para menos de 10 mil neste ano. Somente em Porto Alegre, de dezembro passado para abril de 2019, o número despencou de 5,8 mil para 1,1 mil, um enxugamento de mais de 80%.
Apesar de ter dificultado a vida de quem ainda precisa do aparelho, a queda vertiginosa no número de orelhões foi chancelada pelo governo federal. Desde o fim do ano passado, as operadoras estão desobrigadas de investir neles em troca de aplicar recursos para levar a rede 4G para áreas sem cobertura de telefonia móvel. A medida acarretou redução dos aparelhos em todo o país: de 810 mil no fim de 2018, eles passaram para 336 mil em fevereiro — e a meta é manter apenas 177 mil em funcionamento.
Os shoppings parecem estar entre os poucos lugares em que há probabilidade real de alguém deparar com um telefone público. Além do Moinhos Shopping, em uma amostragem de outros três contatados pela reportagem, todos informaram disponibilizar os aparelhos — somente o BarraShoppingSul tem 20 deles espalhados pelo local. Quem circula pela rua, no entanto, pode não ter a mesma sorte.
Que o diga a designer Pauline Pedrotti, 33 anos. Moradora da Vila Ipiranga, ela também teve de peregrinar, cerca de um ano atrás, em busca de um telefone público. Sem bateria no celular devido à falta de luz, pretendia pedir ao irmão que chamasse um transporte por aplicativo para sair de casa à noite.
Foram quatro tentativas em aparelhos próximos, todas frustradas. Isso porque, embora os orelhões estivessem onde deveriam estar, nenhum funcionava. Acabou desistindo de sair.
— Aí que a gente vê que depende da tecnologia, e o desespero que dá ficar sem celular — lamenta.
Não foi a primeira vez que se decepcionou com os telefones públicos. Mãe de uma menina de quatro anos, conta que é comum a filha querer usá-los para "ligar para a vovó". Nesse caso, o principal impeditivo tem sido o mau estado deles. Aparelhos estragados e sujos fazem com que, por precaução, evite que a pequena encoste neles.
Segundo dados divulgados pela Anatel, a maioria dos 1.175 orelhões da Capital está em funcionamento. Na tabela disponível no site da estatal, apenas 117 aparecem "em manutenção".
Questionada pela reportagem sobre o destino dos aparelhos desativados, a localização dos orelhões que serão mantidos, onde é possível adquirir cartões e sobre quais as áreas da Capital que devem ser beneficiadas com a melhoria do sinal, a operadora Oi, responsável pela telefonia pública de Porto Alegre, limitou-se a responder que "a companhia manterá orelhões em locais onde potencialmente possa haver demanda, como shoppings, escolas, postos de saúde, hospitais, órgãos dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, estabelecimentos de segurança pública, bibliotecas, museus, terminais rodoviários, aeródromos etc, bem como em localidades hoje só atendidas com orelhão". Segundo a Oi, as áreas sem sinal de 4G são "informações estratégicas" e, portanto, não seriam divulgadas.
Capital recebeu primeiro orelhão em 1973
O modelo arredondado que se vê nas vias de todo o país — e de lugares como Angola, Colômbia, China e Peru — é produto genuinamente brasileiro. Sua criadora, a arquiteta sino-brasileira Chu Ming Silveira, projetou o orelhão em 1971, quando chefiava o Departamento de Projetos da Companhia Telefônica Brasileira.
Seu desafio, à época, era criar um protetor para telefones públicos que reunisse funcionalidade e beleza, integrando-se ao mobiliário urbano. O formato oval foi escolhido, segundo a arquiteta já falecida, por ter a melhor acústica. Rio de Janeiro e São Paulo foram as primeiras cidades a receberam os telefones públicos com os novos protetores, em janeiro de 1972. Logo surgiram apelidos como "tulipa", "capacete de astronauta" e o definitivo, "orelhão".
Em Porto Alegre, o primeiro chegou em março de 1973. Ele foi instalado na Praça da Alfândega e, assim como os outros de seu tempo, funcionava com a inserção de fichas — os modelos com cartão começaram a ser usados em 1992.
Hoje frequentemente ignorado nas ruas, em seus tempos gloriosos o orelhão impressionou até mesmo escritores ilustres. A crônica de chegada do modelo ao Rio de Janeiro, na década de 1970, foi escrita por Carlos Drummond de Andrade. Em seu texto, ele descreveu o frisson causado pelos novos telefones: "A população tomou conta das cabinas, que não são cabinas, são uma cuia gozada, a céu aberto, uma cuia que fala. Simpatizou com elas. Aprovou-as". Se o futuro é a obsolescência, ao menos o passado ostenta um carisma a ser invejado pelos smartphones.