Levados ao esquecimento com o avanço da telefonia celular, os orelhões começaram a sumir das vias nos últimos anos sem que se desse falta deles. No Rio Grande do Sul, pularam de mais 65 mil em 2009 para menos de 10 mil neste ano. Somente em Porto Alegre, de dezembro passado para abril de 2019, o número despencou de 5,8 mil para 1,1 mil, um enxugamento de mais de 80%.
Enquanto aparentemente ninguém lamentava o sumiço dos grandões, acredite se quiser, teve gente passando sufoco atrás de um na Capital. Não que fosse um hábito usar os aparelhos da rua. Foi preciso um problema no celular e uma consulta médica agendada, para que Daniel Beckel, 33 anos, lembrasse, no começo de abril, da existência dos telefones públicos. Ele bem que tentou se prevenir: antes de sair de casa, anotou em um papel endereço do consultório, no bairro Moinhos de Vento. Ao chegar no local, porém, descobriu que a médica não atendia mais lá. Ninguém sabia o novo endereço.
— Resolvi procurar um orelhão para ligar para a minha namorada. Fazia anos que não usava um, não tenho cartão nem sei onde comprar. Perto de onde eu estava tinha uma galeria que também era um prédio comercial, e pensei: "aqui deve ter". Rodei o lugar como louco e não achei — recorda.
Determinado a encontrar um aparelho, entrou em um restaurante e perguntou a um garçom se sabia onde ficava o orelhão mais próximo. Assim como todas as fontes entrevistadas durante esta reportagem, a negativa do atendente veio acompanhada de uma risada — aparentemente, ninguém mais leva orelhões a sério. Daniel tinha rodado metade do bairro quando resolveu entrar no Moinhos Shopping. Já desacreditado, deparou com dois aparelhos — apenas um funcionava.
Sem chances de chegar a tempo para a consulta, o contato, a cobrar — por sorte recordava-se do prefixo 9090 — resumiu-se a relatar à namorada a experiência ruim. O episódio inglório ganhou ares cômicos quando descobriu o novo endereço da doutora: a galeria aonde tinha entrado no começo de sua saga pelo telefone público.
— O pior de tudo foi que eu estive no prédio da médica sem saber. Mas acho que poderiam dar mais valor aos telefones públicos, mesmo que agora todos tenham celulares. Acabei perdendo a consulta por causa de um orelhão — diz.
A exemplo do aparelho derradeiro que permitiu que Daniel contatasse a namorada, os shoppings parecem estar entre os poucos lugares em que há probabilidade real de alguém deparar com um telefone público. Além do Moinhos Shopping, em uma amostragem de outros três contatados pela reportagem, todos informaram disponibilizar os aparelhos — somente o BarraShoppingSul tem 20 deles espalhados pelo local. Quem circula pela rua, no entanto, pode não ter a mesma sorte.
Que o diga a designer Pauline Pedrotti, 33 anos. Moradora da Vila Ipiranga, ela também teve de peregrinar, cerca de um ano atrás, em busca de um telefone público. Sem bateria no celular devido à falta de luz, pretendia pedir ao irmão que chamasse um transporte por aplicativo para sair de casa à noite.
Foram quatro tentativas em aparelhos próximos, todas frustradas. Isso porque, embora os orelhões estivessem onde deveriam estar, nenhum funcionava. Acabou desistindo de sair.
— Aí que a gente vê que depende da tecnologia, e o desespero que dá ficar sem celular — lamenta.
Não foi a primeira vez que se decepcionou com os telefones públicos. Mãe de uma menina de quatro anos, conta que é comum a filha querer usá-los para "ligar para a vovó". Nesse caso, o principal impeditivo tem sido o mau estado deles. Aparelhos estragados e sujos fazem com que, por precaução, evite que a pequena encoste neles.
Apesar de ter dificultado a vida de quem se vê nesse tipo de situação, a queda vertiginosa no número de orelhões foi chancelada pelo governo federal. Desde o fim do ano passado, as operadoras estão desobrigadas de investir neles em troca de aplicar recursos para levar 4G para áreas sem cobertura de telefonia móvel. A medida acarretou redução dos aparelhos em todo o país: de 810 mil no fim de 2018, eles passaram para 336 mil em fevereiro — a meta é manter apenas 177 mil em funcionamento.