Ninguém sente Porto Alegre na pele tanto quanto ele. Indiferente às oscilações de temperatura da capital gaúcha, Eduardo André Viamonte, 48 anos, é aquele sujeito que todos os frequentadores dos bairros centrais já avistaram correndo apenas de sunga, tênis e chapéu. A cena é tão corriqueira que o músico Carlinhos Carneiro compôs uma canção descrevendo um sonho delirante em que “O Cara da Sunga aparece vestido, e sem correr”.
Fora mostrar mais pele do que o normal, Eduardo não é um cara excêntrico. Administra uma escola de inglês e trabalha na informática do Banrisul.
– Sim, vestido – esclarece com a naturalidade de quem já respondeu à piadinha mil vezes.
O striptease, conta, foi gradual. A sunga boxer substituiu o calção porque o nylon provocava assaduras nas coxas, correndo com tamanha frequência (são 20 quilômetros diários). A camiseta ele dispensou depois de perceber que correr com a roupa molhada era mais perigoso para ter uma gripe. A touca e as luvas que usa no inverno parecem deboche, mas também têm explicação.
– Cerca de 40% da temperatura do corpo se perde pelas extremidades. Às vezes está aquele friozão, o pessoal pede para me tocar e eu estou quentinho. O truque é relaxar no frio, em vez de se contrair – diz Eduardo, embora não recomende para iniciantes.
Já são 23 anos correndo pelos bairros Moinhos de Vento, Centro, Cidade Baixa e Bom Fim – onde mora hoje. Nesse período, observou a cidade se tornar, sobretudo, mais tolerante. Ao menos com ele.
– Quando comecei, paravam o carro para me chamar de gay, de veado. Como se isso fosse xingamento, aliás. Não tinha essa de ter vergonha de ser homofóbico – conta.
Virou o jogo literalmente no corpo a corpo, interagindo com o pessoal dos bares. Viu que os insultos ficaram para trás no dia em que o Bom Dia Rio Grande gravou reportagem sobre ele no inverno. Quando passou, a clientela da Rua Padre Chagas levantou para aplaudir. Participaria de inúmeras matérias desde então.
Antes de ser “O Cara da Sunga”, teve outras alcunhas: “pelado”, “Gasparzinho” (graças às aparições noturnas e à brancura do protetor solar fator 50), “francês” – Esse nunca entendi, diz – e um bem curioso:
– Os moradores de rua me chamavam de Panvel. Alguém espalhou que eu entrava pelado na farmácia da Rua 24 de Outubro porque era o dono. Passei a ter medo de um dia ser sequestrado (risos). Acho que o apelido pegou porque eles me abordavam e pediam para eu comprar lâminas de barbear quando tinham entrevista de emprego, e eu ajudava.
A amizade com os pedintes lhe salvou de uma possível surra, certa vez. Passou por um bar lotado de colorados perto da Goethe. Alheio a futebol, nem percebeu que vestia proteção azul na canela. Sua corrida ali foi interpretada como provocação gremista.
– Decidi conversar com os caras. Quando eles definiam se me batiam, moradores de rua me rodearam com pedaços de madeira nas mãos: “Ninguém encosta no professor!” Me emocionou. A noite acabou com todo mundo bebendo junto – conta.
Hoje, Eduardo “vestiu” de vez o personagem. É interrompido para selfies, toca em bandas, dá palestras sobre corrida e se tornou mestre de cerimônias – de eventos como o Casa Expandida, da Casa de Cultura Mario Quintana, um dos seus cenários prediletos de corrida:
– Vivo quase um sonho infantil. Moro em uma cidade em que todo mundo é meu amigo.