Para uma parcela de ciclistas de Porto Alegre, a bike não só transporta e dá qualidade de vida — também transforma o dono em estrela. Seja pelo estilo, pelo material ou por deixar os espectadores incrédulos sobre como é possível pilotá-las, magrelas pitorescas se multiplicam pelas ciclovias da Capital, tão chamativas que têm potencial para parar o trânsito.
Criador de dezenas de bicicletas de bambu cheias de personalidade, o músico Klaus Volkmann acha que tem a explicação para o fenômeno:
— Tem os loucos e os loucos enrustidos. A partir do momento que a pessoa vê outras se soltando, se solta também.
Para ele, quanto mais bikes diferentonas, melhor. Significa "mais vida, mais cor na cidade". E, por que não?, mais arte.
— É uma forma de levar arte para as ruas, ao encontro das pessoas — opina.
GaúchaZH foi da Zona Norte à Zona Sul para contar a história de algumas das bikes mais loucas da Capital:
Da Sbórnia para as ruas de Porto Alegre
A bike chama a atenção de longe. Mas o povo vai à loucura mesmo quando identifica quem, com maestria improvável, se equilibra sobre o velocípede de roda dianteira gigante — os carros passam buzinando, as pessoas apontam, tem gente que corre até a sacada para abanar.
— É um escândalo — resume Hique Gomez, feliz proprietário do veículo de mais de 1,5 metro de altura.
O ator e músico parece ter vindo do passado pedalando essa bike. Ou de mais longe ainda: da Sbórnia. O veículo integra o universo criado por Hique e por Nico Nicolaiewsky para o espetáculo Tangos e Tragédias, sendo usado nas apresentações.
Um dos vários tombos que Hique tomou com ela foi no palco, há anos. Conta que estava acostumado ao espaço do Theatro São Pedro, e, em uma apresentação em Caxias do Sul, ficou dando voltas e mais voltas esperando o fim de um chorinho permitir que estacionasse a bicicleta. Acabou caindo sobre o pianista.
Quando morava na Zona Norte, Hique e a bike gigante eram atração frequente na Avenida Cristóvão Colombo, mas hoje as aparições resumem-se mais à orla do Guaíba. Recentemente, foi o Kraunus quem a roubou e foi dar uma banda na Avenida Beira-Rio. Para conseguir pilotá-la, o músico precisa de uma pista plana. Lomba, nem pensar: ela não tem freio.
A bicicleta foi feita há 24 anos pelo sogro do artista, já falecido. Engenheiro mecânico, ele mesmo a desenhou e torceu uma cantoneira grande de metal para transformar em roda, a partir das medidas da perna de Hique. O artista lembra dele até hoje quando usa o presente, um dos mais lindos que já ganhou na vida.
— Só vendo por 3 milhões de Scombrios Sbornianos. E em dinheiro vivo!
Do lixo ao luxo?
Eduardo Macedo, 31 anos, só vê vantagens no veículo de 2,3 metros de comprimento que chama de Bike Monstro.
1º: ela é ótima para carregar cargas. Dono de uma loja de bikes, Macedo já usou-a para fazer entrega de outras magrelas, e, durante o Fórum Mundial da Bicicleta, em 2012, percorreu mais de 30 quilômetros puxando um reboque com um artista barbudo tocando violão e cantando pelas ruas da cidade.
2º: ela é super fácil de estacionar. Macedo a posiciona na vertical em um poste e ela fica parada, ocupando menos espaço na calçada que uma bike normal — embora quase tenha encostado na lâmpada, durante a demonstração na Praça Garibaldi.
3°: ela é praticamente imune a furtos.
— Eu amarro nos lugares e ninguém quer levar —justifica Macedo, com ar debochado.
A ideia de Macedo quando começou a montar a Monstro era justamente "fazer uma bike que as outras pessoas achassem um lixo". A origem dela não poderia ser outra: quando o quadro de uma Caloi velha que usava quebrou, ele achou uns pedaços de ferro de cama largados em uma rua da Zona Sul, emendou e fez um quadro gigante — o que explica o comprimento da bike. Inventou, depois, que queria dar ao veículo um aspecto enferrujado, então deixou oito meses amarrado dentro do poluído Arroio Cavalhada, e mais alguns dias secando no sol em cima do telhado da casa.
— Olha só como ficou bonito — exibe, buscando a aprovação da repórter.
A afilhada, de seis anos, foi quem chamou a bicicleta de monstro, e o nome pegou. Macedo usa ela em passeios, em eventos da Massa Crítica, e já foi e voltou até Itapuã, distante mais de 40 quilômetros da região central.
— Ando junto de bikes novas, de gente que tem ego inflado, até. Acho uma grande diversão.
Uma bike com crise de identidade
A Harley Davidson do empresário Roberto Severo, 45 anos, seria uma moto linda — se não fosse uma bicicleta. Betinho, como é conhecido, dedicou os últimos três anos para personalizar a magrela de tal modo que pareça uma moto custom, paixão estampada na camiseta e no boné que usava quando recebeu a reportagem na sua loja de água mineral, no bairro Santa Cecília.
Ele importou do Japão pneus largos de banda branca, estilo retrô. Adaptou uma tela sob o banco para parecer um filtro. Comprou punhos de couro para o guidão. Colocou uma chapa de metal sobre o cano superior do quadro para dar ideia de tanque de combustível — ali, colou o adesivo com a logotipo da moto americana.
As modificações não param por aí: Betinho ainda se deu o trabalho de furar um dado para servir de tampa do ventil e prendeu uma garrafa de Jack Daniels no quadro, no mesmo ponto em que as bikes normalmente carregam garrafas coloridas de plástico para hidratar o ciclista durante os passeios. Perguntado se ainda tem bebida dentro, respondeu:
— A garrafa nunca para cheia.
Betinho conta que ter uma moto Harley é um sonho antigo. Pai de dois filhos, de seis e oito anos, acabou postergando a ideia indefinidamente. Então acabou focando os esforços — e orçamento disponível — na bike.
Agora, ele quer trocar a cor dela, de preto fosco para cinza com textura. E colocar câmbio.
— Ainda falta muita coisa...
Kali, a bike de bambu colombiano
O músico Klaus Volkmann, 33 anos, já fez mais de 80 bikes de bambu. Mas a Kali, batizada em homenagem a uma deusa hindu, é quem chama de "meu xodozinho".
A bicicleta de aproximadamente três metros de comprimento, que tem bambu até nos guidões e aros, foi feita com vegetais colhidos na Colômbia, encurvados durante o cultivo por um artista do país. Klaus a considera "uma máquina de fazer amigos".
— Não importa se a pessoa é de direita, de esquerda, todos gostam. Ela quebra o gelo sempre — comenta.
Ele anda praticamente deitado no veículo, e garante que é confortável porque o bambu amortece as irregularidades do solo. Com ela, costuma ir da oficina, no bairro Petrópolis, até a Zona Sul — mas já usou outras bikes de bambu em viagens pela Bolívia, Bahia e Chile. Todas têm nomes, pois são personalidades, defende Klaus.
— Se alguém levar uma, não é um roubo, é um sequestro — emenda.
Klaus não tinha referências de trabalhos semelhantes quando começou a criar as bikes: teve a ideia ao tropeçar na planta no sítio da tia de uma ex-namorada, e uniu as paixões pelo ciclismo e pela natureza.
Ele administra o tempo entre ensaios e consertos da Ospa, na qual é flautista desde os 18 anos, e as aulas que ministra. Dono da Art Bike Bamboo, não aceita mais encomendas de bicicletas, mas dá curso para que a pessoa aprenda a fazer a própria. O próximo deve ser nas férias de inverno, ainda sem data definida.
— A vantagem da bike de bambu é que é uma coisa que as pessoas podem fazer com as próprias mãos, com ferramentas simples e acessíveis. E tem ainda isso de reaproximar as pessoas com a natureza — justifica.
Para gastar e repor as calorias
Já faz três anos que o analista de rede Rodrigo Schlabitz, 39 anos, uniu duas paixões, uma bem fitness e outra bem calórica. De olho na ascensão dos food trucks na Capital, mas ciente do investimento alto que demandaria, decidiu criar uma food bike para vender pancho. Foi uma das pioneiras neste formato no Rio Grande do Sul.
Para tanto, pintou de azul e laranja uma bike cargueira de 1982, cuja última finalidade foi entregar galões de água. No trabalho, conta com a ajuda da esposa, enquanto o pai foi responsável por construir as caixas de madeiras, acopladas sobre as rodas para levar ferramentas e suprimentos, e a mãe bolou uma espécie de farofa de bacon que é a marca registrada do pancho. Sobre o quadro, dispõe de uma chapa de inox, em que também deixa os molhos para os clientes.
Além da bike, ele precisa levar um armário para a panela elétrica e o forninho, além de um ombrelone, que decora com lâmpadas. Por tudo isso, ele não vai até os eventos que participa de bike, mas carrega ela dentro de uma Kombi.
Com a marca On Wheels Food Bike, Schlabitz já é dono de uma verdadeira frota, composta pela bike e mais quatro triciclos. A cargueira de 1982, porém, segue sendo a favorita.
— Foi nela que tudo começou — comenta, saudosista.