Própolis, pólen e mel. Colmeias, ovos de rainha e enxames. Cuidados com o frio, atenção às pragas, captura em árvores. Esses são assuntos comuns na rotina de um casal que cria abelhas sem ferrão em um apartamento no bairro Menino Deus, em Porto Alegre.
— Para mim, (as abelhas) são como um pet — diz Thierry Claas, 35 anos, administrador de empresas.
Esposa dele, a nutricionista Fernanda Fróes, de mesma idade, auxilia no manejo dos insetos. O casal faz parte dos meliponicultores, criadores de abelhas sem ferrão, também conhecidas como abelhas nativas ou indígenas.
O grupo é estimado em 16,2 mil famílias no Rio Grande do Sul, segundo o governo estadual.
No Brasil, a criação de abelhas sem ferrão em imóveis urbanos é autorizada por leis municipais, federais e estaduais. A principal é a instrução normativa 169/2008, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). No Estado, a lei 14.763/2015, regulamentada pelo decreto 57.372/2023, estabelece diretrizes para a criação, comércio e transporte do inseto.
Embora autorizada por lei, Thierry informou o síndico e vizinhos sobre a criação no apartamento.
— Não tem perigo: elas não são agressivas, não nos machucam e se adaptam ao ambiente. Temos dois gatos, que convivem bem com elas — relata.
Segundo o administrador, o interesse nos insetos surgiu há 10 anos, quando ele viu abelhas no estacionamento da empresa onde trabalhava.
Ao pesquisar sobre o assunto, descobriu as sem ferrão e que a espécie podia ser criadas em apartamentos. Depois soube que um colega de trabalho era apicultor e pegou dicas sobre a criação com ele. Pesquisas e cursos na internet também fazem parte da construção do conhecimento do meliponicultor.
Como é a rotina
Na sacada do apartamento localizado no quinto andar, o casal tem três caixas que funcionam como colmeias para três espécies: manduri, jataí e mandaçaia.
Períodos de frio e o ataque de invasores, como formigas, estão entre as dificuldades na rotina de cuidados.
O gasto mais relevante é na compra de caixas e de enxames – também é possível capturar abelhas sem ferrão com "armadilhas" em árvores. O uso de xaropes como alimentos no inverno é outro investimento que pode ser necessário.
Além do apartamento no Menino Deus, Thierry mantém uma criação com 34 caixas na casa da mãe, na zona urbana de São Leopoldo, no Vale do Sinos.
— Gosto muito delas, estão sempre trabalhando. Enxergá-las entrando e saindo das caixas me traz paz, me faz bem — argumenta.
Auxiliares no cultivo
Odimar Lorini da Costa, 47 anos, mantém duas caixas com abelhas jataí e mirim, em um apartamento próximo ao Hospital Nossa Senhora da Conceição, na zona norte da Capital. O biólogo conta que iniciou a criação dos insetos para aprimorar a produção caseira de morangos.
— Mesmo adotando práticas de cultivo orgânico, percebi que os frutos ficavam deformados e pequenos. Descobri que, além da polinização pelo vento, os morangueiros são também polinizados por abelhas. A presença delas melhorou o tamanho e a aparência dos morangos — pontua Odimar, também estudante de agronomia.
Para o meliponicultor, a criação das abelhas sem ferrão é uma ferramenta para a conservação de espécies e educação ambiental. Outro benefício é observar, em casa, o comportamento dos enxames.
— Presenciei ataques de iratim, (ou abelha-limão) às minhas colmeias, que foram prontamente rechaçados. As abelhas combateram bravamente os intrusos, como se fossem soldados kamikazes japoneses. O fato de não terem ferrão não indica que sejam indefesas — afirma.
Hobby que ajuda a natureza
Segundo Rafael Meirelles, professor do curso de Agronomia da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs), pesquisas indicam que a presença de abelhas sem ferrão em cidades não é incomum. Um trabalho realizado pelo pesquisador em São Luiz Gonzaga, nas Missões, indica aparição maior do inseto na parte urbana no comparativos a algumas zonas do interior do município.
— Não é um local natural, mas é onde elas encontram a possibilidade de sobreviver, fugindo do meio rural. Por isso, é importante criar projetos de jardins de polinizadores e plantas para oferecer recursos a essas abelhas na cidade — comenta.
O professor é coordenador do Abelhas Missioneiras, um projeto que incentiva a criação do inseto e avalia a situação das abelhas sociais no Estado.
Segundo ele, interessados na criação devem ter alguns cuidados: dar preferência a andares mais baixos para facilitar o deslocamento, observar se o entorno da propriedade oferece plantas e se o local não está próximo a pontos de contaminação, como aterros sanitários.
Conforme Meirelles, a presença das abelhas contribui na geração de frutos e flores na cidade, além de promover a preservação da natureza.
— É um hobby que faz com que a pessoa tenha contato e aprenda sobre a natureza. Se ela tem filhos, há uma questão de educação ambiental também. Por não serem da área, os meliponicultores iniciantes sabem pouco sobre a ecologia, mas vão criando um arcabouço de conhecimento. É uma coisa importante ter pessoas conscientes sobre o meio ambiente — pontua.