Quem ligava para o ramal do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) de Porto Alegre, até o começo da tarde desta quarta (30), ouvia uma gravação informando que a prefeitura realizava um "conserto emergencial" na estação de bombeamento da Lomba do Pinheiro, onde o fornecimento é irregular há pelo menos três dias e motiva protestos da população.
Mas depoimentos de moradores das zonas Leste, Norte, Sul e relatos publicados em GaúchaZH e Diário Gaúcho nos últimos anos revelam que a falta d'água em bairros como Lomba do Pinheiro, Bom Jesus, São José ou Vila Jardim deixou de ser pontual. Em boa parte da cidade, a emergência virou rotina, levando a Defensoria Pública a pedir esclarecimentos ao Dmae.
Moradores da Lomba do Pinheiro – uma das áreas mais afetadas pelo desabastecimento crônico – afirmam que enfrentam a secura das torneiras há muito tempo, mas o problema se agrava no verão e teria se tornado ainda mais comum nos últimos dois ou três anos. Carine dos Santos, 34 anos, mora com um irmão, os dois pais e quatro filhos. Desde o começo da semana, a família armazena um pouco da água que corre apenas entre 4h e 6h e enche uma bombona de 20 litros no caminhão-pipa com o auxílio de um carrinho de mão. Como o pai de 78 anos tem uma doença de pele que exige múltiplos banhos ao longo do dia para amenizar a coceira, o desabastecimento é ainda mais angustiante.
– A gente pensou em colocar uma caixa d'água, mas não temos dinheiro para isso. Ou compramos os remédios que os meus pais precisam, ou instalamos a caixa. Aqui sempre faltou água, mas desde o verão passado piorou – conta Carine, ao lado da mãe, Adelma dos Santos, 74 anos.
O taxista Felipe Farias Peres, 23 anos, instalou uma caixa d'água para amenizar a crise hídrica, mas não adiantou.
– Também fiquei sem água porque já são vários dias sem fornecimento, e também divido um pouco com os vizinhos. Agora compro água mineral até para o meu cachorro poder beber – conta Peres.
Embora problemas pontuais como rompimento de canos aumentem os transtornos, o que está por trás da secura nas torneiras é o esgotamento de um dos seis sistemas de fornecimento que captam, tratam e bombeiam água para a cidade.
O chamado sistema Belém Novo, que atende parte das regiões Sul e Leste, produz cerca de mil litros de água por segundo – volume que já está no limite para atender as cerca de 250 mil pessoas abrangidas por essa rede. Além disso, outras carências envolvendo capacidade de bombeamento e armazenamento deixam quem mora mais longe da estação de tratamento e em terrenos mais elevados – como na Lomba do Pinheiro – mais tempo sem água. O líquido precisa percorrer até 20 quilômetros e subir 140 metros para atender aos consumidores mais longínquos.
O impacto desse esgotamento vai mais longe: para suprir o consumo das áreas com carência de água, parte do líquido bombeado pelo sistema Menino Deus (que atende zonas mais centrais) é desviada para o eixo leste. Como resultado, a região do Partenon, localizada na zona do Menino Deus, também enfrenta maior escassez.
– Um problema é consequência do outro, principal, que é o esgotamento do sistema Belém Novo – afirma o diretor-geral do Dmae, Darcy Nunes dos Santos.
O diretor afirma que o Dmae tem realizado melhorias em casas de bomba e adutoras para amenizar o drama. Foram investidos R$ 60 milhões no sul da cidade para amenizar os transtornos. Mas uma solução definitiva só deverá vir com a construção de um novo sistema de tratamento – o problema é que a obra, ainda nem licitada, deverá demorar três anos.
TORNEIRAS SECAS
A falta de água se repete em regiões da cidade nos últimos anos. Veja alguns exemplos de áreas mais atingidas pelo problema:
- 30/1/2014: Moradores do bairro Morro Santana bloqueiam a Avenida Protásio Alves, entre a Avenida Manoel Elias e a Rua Ary Tarragô, com o objetivo de chamar atenção para a rotina de interrupções no abastecimento de água na região.
- 8/2/2014: Protesto de moradores na Avenida Bento Gonçalves, zona leste, bloqueando parte da pista. O motivo da manifestação é a falta de água que, segundo os participantes, já durava uma semana.
- 18/3/2015: Dezenas de pessoas sem água há cinco dias bloqueiam a Avenida Protásio Alves. São moradores da Vila Jardim, Bom Jesus e Vila Ipê. Também há problemas em pontos dos bairros Cefer, Jardim Carvalho e Partenon.
- 23/12/2016: Indignados com falhas no abastecimento de água, moradores da Lomba do Pinheiro bloqueiam a Estrada Afonso Lourenço Mariante. A interrupção do trânsito envolveu fogo em pneus e resíduos diversos.
- 16/2/2017: Protesto no bairro Aparício Borges, zona leste, alegando que enfrenta falta d'água há mais de uma semana. Dmae argumenta que problema era fuga em uma tubulação.
- 3/3/2017: Relatos de moradores apontam que, desde dezembro, o Partenon enfrenta falta de água diariamente. Um deles reclama que o fornecimento é suspenso de manhã e só retorna de madrugada.
- 29/11/2017: Moradores da Lomba do Pinheiro bloqueiam a Avenida Bento Gonçalves em protesto contra falhas no abastecimento que atinge o bairro e regiões próximas como Bom Jesus e Mario Quintana. As interrupções no fornecimento duram até quatro dias.
- 15/12/2017: A falta de água no bairro Bom Jesus, em Porto Alegre, afeta moradores. O Dmae informa que há problemas com o bombeamento no local.
- 5/3/2018: Quatro pontos no bairro Lomba do Pinheiro têm protestos pela falta de água. Na Estrada João de Oliveira Remião, houve duas manifestações, e outras duas ocorreram na Estrada Afonso Lourenço Mariante. A tropa de choque chegou a lançar bombas de gás lacrimogêneo.
- 19/12/2018: Segundo depoimentos de moradores, a falta de água é comum em bairros como Lomba do Pinheiro, Bom Jesus, São José e Coronel Aparício Borges. Durante o verão, o problema é pior.
- 15/1/2019: Pelo segundo dia consecutivo, moradores da Vila Jardim interrompem parcialmente o trânsito na Avenida Protásio Alves em protesto contra a falta de água na região.
- 16/1/2019: Um grupo de moradores do bairro São José bloqueia o trânsito na Rua 9 de Julho em protesto contra falhas no abastecimento. Conforme os moradores, o problema persiste há 10 dias. A situação se repete nos bairros Vila Jardim e Bom Jesus.
- 17/1/2019: A escassez de água que afeta a Vila Jardim, zona norte de Porto Alegre, leva moradores a tomar banho em uma praça – único ponto onde a torneira não está seca.