Quem passa pelo cruzamento das ruas Marquês do Pombal e Doutor Timóteo, em uma das áreas de IPTU mais caro de Porto Alegre, no bairro Moinhos de Vento, pode não imaginar que o terreno tomado por prédios e lojas sofisticados também já foi chão de fábrica.
Onde hoje existe um condomínio de edifícios, na década de 1920 foi erguido o prédio onde funcionou por décadas uma fábrica de cigarros da Souza Cruz. Em muitos casos como esse, a cidade acabou crescendo tanto no entorno das velhas indústrias que acabou por forçá-las a buscar um novo local.
Cozinheira há 38 anos da churrascaria Santo Antônio, localizada defronte ao antigo endereço da Souza Cruz, Ângela Pacheco, 59 anos, recorda como a fábrica movimentava o bairro.
— Todos os dias, vinham pelo menos 50, 60 trabalhadores da Souza Cruz comer aqui. A gente chegava a sentir o cheiro de tabaco dentro do restaurante — lembra Ângela.
Em alguns casos, a convivência entre novos moradores e velhas indústrias traz percalços. Antigo trabalhador da Taurus, na Avenida do Forte, Anestor dos Santos Galon, 76 anos, ajudou a projetar a unidade em São Leopoldo. Ele conta que, nos últimos anos, o crescimento no número de casas e prédios ao redor da fábrica na Capital estimulava reclamações.
— As pessoas se queixavam muito do barulho de algumas máquinas e do pó. Antigamente havia muito poucas casas ao redor, mas a fábrica acabou ficando no meio da cidade. Como resultado disso, nós, a população, ajudamos a expulsar as indústrias — analisa Galon, presidente da Associação dos Metalúrgicos Aposentados de Porto Alegre.
A Pepsi é outro exemplo de empreendimento instalado em um local onde hoje parece muito pouco provável que houvesse uma linha de produção — na esquina das vias Praia de Belas e Marcílio Dias, onde hoje existem um prédio comercial e outro de estacionamento junto ao Praia de Belas Shopping.
Comércio e imóveis tomaram o lugar das indústrias
Porto Alegre cresce, ainda hoje, sobre o terreno onde antigamente prosperaram grandes indústrias. O fechamento de fábricas deixou para trás grandes espaços em zonas antigamente pacatas, mas hoje bastante valorizadas para a construção de casas, prédios e estabelecimentos comerciais.
Nos últimos anos, centros comerciais surgiram onde antes funcionavam célebres marcas como a fábrica de fogões Wallig (Bourbon Wallig, na Assis Brasil), a confecção Renner (DC Shopping) ou o prédio histórico onde já funcionaram as cervejarias Bopp, Continental e Brahma (atual Shopping Total, na Avenida Cristóvão Colombo). O antigo endereço da tecelagem Fiateci, junto à Rua Voluntários da Pátria, deu lugar a prédios residenciais e comerciais.
Na área em que se localizava a Zivi-Hércules, entre a Assis Brasil e a Sertório, operários trabalham limpando a área e demolindo ruínas das antigas instalações. Segundo informações da incorporadora Melnick Even, responsável pelo terreno atualmente, está em estudo o desenvolvimento de um empreendimento residencial no local.
Na Avenida Ipiranga, nas proximidades da esquina com a Salvador França, funcionava a fábrica da Mu-Mu onde o aposentado Marcial Antunes de Siqueira, 70 anos, trabalhou a partir do início dos anos 1980. Hoje, nas imediações há prédios comerciais e um posto de gasolina. Mas, na década de 1960, quando os irmãos Henrique e Arno Vontobel instalaram a indústria de doces no local, a região era tão afastada e desatendida que mandaram construir tanques de lavar roupa no pátio para ajudar a vizinhança que não dispunha de água corrente.
— Comecei trabalhando em serviços gerais, depois passei para a área de entregas. A gente chegava a entregar baldes de 30, 40 quilos de Mu-Mu até de carroça. Tínhamos seis cavalos. Mas, quando eu saí, já não havia mais as carroças. Tinham mais de 20 caminhões e umas quatro carretas — recorda Siqueira.