Ao longo de sua vida profissional, o aposentado Laudelino Borges Morales, 70 anos, trabalhou em três empresas com uma trajetória comum: todas se instalaram em Porto Alegre, prosperaram por vários anos — e fecharam as portas.
A exemplo da Brahma, da Zivi-Hércules e da Metalúrgica Elfo, onde ele bateu cartão, dezenas de indústrias faliram ou abandonaram a Capital nas últimas décadas em um processo que, recentemente, levou a Gerdau a transferir sua sede para São Paulo e motivou a transferência da Taurus para São Leopoldo. Em alguns dos antigos endereços, ganham força outros negócios ou empreendimentos imobiliários, mas resta um desafio: fazer a cidade atrair novos investimentos e recuperar o espírito inovador que marcou os primeiros anos de industrialização.
Antiga fábrica de facas, talheres e outros utensílios ficava localizada no Passo D'Areia. No momento, operários de uma construtora limpam a área, onde a velha indústria ficou em ruínas
O grande polo produtivo
Muitos moradores da Capital desconhecem, mas a cidade era um dos principais polos produtivos do Brasil no começo do século 20. Em Porto Alegre nasceu a mais antiga marca de chocolates em atividade no país (Neugebauer), foram construídas algumas das primeiras geladeiras (Steigleder), surgiram os talheres de aço inoxidável (Hércules) e a primeira linha de produção de doce de leite (Mu-Mu), entre outras inovações. A maior parte das fábricas se localizava na Zona Norte, mas outras ocuparam quarteirões em bairros bem mais centrais como Moinhos de Vento, Floresta e Praia de Belas, dando à cidade um ar fabril mesmo onde hoje nem se suspeita de que havia máquinas ruidosas, chaminés fumegantes e milhares de operários batendo perna nas calçadas.
— A industrialização de Porto Alegre esteve muito ligada à imigração alemã, e ganhou impulso porque a produção procurava atender ao mercado interno, e a Capital era um importante centro de distribuição para todas as cidades próximas e para a região da Colônia — esclarece o economista e professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Pedro Silveira Bandeira, autor do ensaio A Desindustrialização de Porto Alegre: Causas e Perspectivas.
Com o crescimento urbano, em um fenômeno semelhante ao que ocorreu em outras grandes capitais do país, as fábricas se viram impelidas a buscar áreas mais remotas, acessíveis e baratas — e deixaram para trás grandes espaços desativados.
— A cidade cresceu e acabou espantando as indústrias. Costumo citar a Brahma (foto abaixo, na Avenida Cristóvão Colombo, onde hoje funciona o Shopping Total) como exemplo: acabou ficando no meio da cidade, e tinha de receber cargas, distribuir produtos enfrentando engarrafamentos, em um terreno que ficou supervalorizado. Quando isso acontece, as fábricas começam a procurar opções menos onerosas — analisa Bandeira.
Essas opções incluíram outros município ao longo de eixos como a BR-116, a freeway e a BR-386. Presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), Gilberto Porcello Petry concorda que a desindustrialização é uma consequência da urbanização, mas com influência de outros fatores como políticas fiscais:
— A saída de indústrias das capitais é um movimento natural. A modernização produtiva, a ampliação das linhas de produção e a logística de matérias-primas e produtos finais são fatores que levam à busca de novas áreas. Cumpre também dizer que muitas vezes as políticas tributárias estimulam esse movimento, que é natural mas pode ser apressado ou intensificado por aumento de impostos municipais como IPTU e ISS.
O aposentado Laudelino Borges Morales testemunhou esse fenômeno como poucos. Todos os seus antigos locais de trabalho deixaram de existir.
— Dá uma tristeza ver que tudo isso deixou de existir. A Zona Norte era basicamente uma região industrial, e sempre tinha oferta de emprego em alguma fábrica — recorda Morales.
A maior parte do recuo das fábricas se concentrou entre os anos 70 e 80, quando a participação de Porto Alegre no valor do ICMS industrial do Estado despencou em mais da metade: de 25%, em 1972, caiu para 11% em 1986. No ano passado, dos alvarás emitidos pela prefeitura para novos negócios, 0,4% se destinavam à atividade industrial — setor que ajudou a moldar a cidade dominada, hoje, por comércio e serviços.
A antiga fábrica têxtil, cuja entrada ficava na Rua Voluntários da Pátria, próximo à esquina com a Avenida Polônia, deu lugar a empreendimento imobiliário. Mas parte do terreno segue sem uso
Localizada na Ipiranga com a Rua Arno Vontobel (próximo à Salvador França), a velha fábrica da Mu-Mu foi substituída por prédios comerciais e um posto de combustíveis
Em pleno bairro Moinhos de Vento, na esquina das vias Marquês do Pombal e Dr. Timóteo, ficava a fábrica da Souza Cruz. Hoje, no local há um condomínio de edifícios