O Zoiudo pode ter dois palmos de altura, uma barriga fofinha e orelhas saltadas, mas não é um simples bicho de pelúcia. Adaptado com válvula de traqueostomia no pescoço e um caninho que imita uma sonda de alimentação no umbigo, o brinquedo virou uma ferramenta importante no tratamento de Dorothy, de dois anos e sete meses. É que, ao ver no amiguinho a própria condição, a pequena ganha um incentivo para encarar os procedimentos do hospital, em Porto Alegre, como trocar os curativos ou aprender a comer pela boca — a alimentação se dava somente pela sonda até pouco tempo.
— Ao trazer a papinha, damos uma colherada para ela e uma para ele — conta a mãe, Cristina Hochmuller da Silva, 28 anos. — A gente tenta passar de uma forma positiva para ela como é a alimentação e tirar aquela coisa feia do hospital.
A ideia é a da fonoaudióloga Daniela Feijó, que criou o projeto Um Amigo Como Eu. O objetivo é fazer crianças com o corpo "invadido" por procedimentos temporários ou permanentes falarem dos seus sentimentos e medos de forma lúdica, simbolizando sua doença e aliviando seu sofrimento.
— Ela pode brincar ativamente sobre coisas que sofre no seu corpo passivamente, e tudo o que é forma de atividade simbólica alivia o estresse — diz a fonoaudióloga.
Daniela relata que as crianças não têm o discernimento para desabafar sobre a preocupação por ter de trocar um curativo, por exemplo. Em vez disso, sentem medo.
— Então, se a criança ou a gente puder falar para o boneco "vai dar tudo certo, teu curativo vai ser trocado bem rapidinho", é uma forma de ela lidar com aquele sofrimento em forma de brincadeira — complementa.
A fonoaudióloga já adaptou cerca de 10 brinquedos, contando com a ajuda dos pais de seus pacientes. Tem em seu consultório os bonecos Julio, Malu, João, Sara e um ursinho de pelúcia que aguarda ser batizado por alguma criança. Para a pequena Dorothy Holtz, que tem uma distrofia no tórax e, desde dezembro, precisou passar por duas cirurgias para expansão da caixa torácica, o brinquedo transformado foi uma pelúcia do Mort, o lêmure-rato do filme Madagascar. O brinquedo é mais velho do que ela: foi um presente do pai para a mãe da menina no começo do namoro. Hoje, é um dos fiéis companheirinhos de Dorothy na UTI do Hospital da Criança Santo Antônio, onde mora há oito meses.
— É um dos brinquedos de que ela mais gosta — afirma a mãe.
Daniela não vende os brinquedos, mas se prontifica a ajudar a transformá-los — no seu blog, criou até um passo a passo para uma traqueostomia de brinquedo. Se a família não tem o material da terapia (o da Dorothy foi feito com uma válvula antiga, que seria descartada), uma tampinha de caixa de leite pode desempenhar esse papel. Dá para soltar a criatividade e improvisar.
A ideia já se disseminou para Foz do Iguaçu (PR), onde é aplicada no Centro de Especialidades Médicas, e Campinas (SP), onde uma mãe de uma ex-paciente resolveu seguir os passos também.
— Desde o inicio, a ideia era que as pessoas pudessem fazer para os seus filhos, ou os terapeutas para seus pacientes. Até mesmo quando a criança quebrou o braço a gente poder brincar de enfaixar o braço da boneca. E depois quando tira o gesso, tira da boneca também — sugere.