Ivsen Gonçalves, o ex-funcionário suspeito de usar o nome de uma criança morta para desviar R$ 1,7 milhão da Carris, foi indicado à empresa na gestão de Sérgio Luiz Duarte Zimmermann, filiado ao PMDB. A investigação do Ministério Público (MP) encontrou a assinatura do ex-presidente no endosso de cheques em nome da criança, permitindo a quem portasse identidade do falecido sacar os valores.
Em entrevista ao Gaúcha Atualidade, na manhã desta quarta-feira (8), o ex-presidente da Carris disse que tinha uma rotina que demandava a assinatura de muitos documentos e cerca de 30 cheques a cada dois dias, que já vinham rubricados pelo então procurador Pedro Osório Rosa Lima e pelo ex-diretor financeiro Vidal Pedro Dias Abreu.
— Eu não sei te dizer (se assinei algum cheque endossado ao ex-funcionário). Com tanta coisa assinada... Se eu assinei, não o fiz de intenção própria. Quero te dizer que, várias vezes eu endossei cheques ara pagamento de peças urgentes, coisas assim — afirmou Zimmermann.
O MP não descarta que a assinatura do então presidente possa ter sido falsificada pelo fraudador.
— De sã consciência não fiz. Se no meio de 200 cheques eu tenha assinado algum não sei. Ou se falsificaram minha assinatura, não sei. Sou um homem honrado e boa fé — destacou ele.
Ainda segundo o ex-dirigente, a Promotoria ainda não o chamou para prestar esclarecimentos, mas, na entrevista, fez questão de dizer que está à disposição dos investigadores. Conforme o promotor Flávio Duarte, os três ex-funcionários da Carris serão ouvidos na investigação da Promotoria Criminal.
Ouça a íntegra da entrevista:
Questionado pelo Gaúcha Atualidade, Zimmermann disse, ainda, que cuidava de um balancete muito grande e que era difícil de "entrar nos pormenores" para perceber algum desvio de recursos.
O ex-presidente confirmou que Ivsen Gonçalves foi indicado pelo PMDB, na cota de indicações do ex-vereador Professor Garcia, os dois últimos anos de sua gestão. E garantiu que, além de ter reduzido a quantidade de CCs de 49 para 29, fazia questão de checar o histórico dos indicados políticos. Nessa verificação, ele lembra de ter aprovado o do ex-funcionário investigado, que ficou trabalhando na tesouraria da Carris.
— Recebi não só indicação política como fui buscar quem era esse rapaz. Me informaram que ele era um herói da Polícia Civil, que foi aposentado por ter sido baleado em ação de combate, foi condecorado, era formando em Administração, tinha ótima formação, já tinha ocupado um cargo elevado na Câmara. Então, eu achei que ele estava habilitado — afirmou Zimmermann.
Durante a atuação de Gonçalves, o ex-presidente disse, ainda, que ele sempre "cumpriu o seu papel".
O esquema, passo a passo
- Ao assumir a Carris, no começo de 2017, a nova gestão detectou irregularidades em processos de pagamentos de indenizações por acidentes de trânsito causados pela companhia. Ao analisar documentação, descobriu cerca de R$ 800 mil em pagamentos irregulares.
- As suspeitas foram levadas ao Ministério Público, que abriu investigação.
- Ao investigar um nome que se repetia como beneficiário, como advogado de beneficiário ou como pessoa autorizada a receber valores destinados a outros beneficiários, o MP descobriu que o nome de uma criança morta em 1961 estava sendo usado na fraude. A lápide do menino falecido está localizada no cemitério São Miguel e Almas.
- Ao cruzar dados, a Promotoria Especializada Criminal verificou que um ex-funcionário da Carris, Ivsem Gonçalves, havia feito, em 1996, carteira de identidade em Santa Catarina em nome da criança e, com o documento, desviava valores de indenizações.
- Foi apurado que o documento do morto foi usado também para abrir conta bancária, comprar carro e doar dinheiro para campanhas do PMDB.
- O MP apurou que entre 2015 e 2017 a Carris pagou R$ 1,7 milhão em indenizações por acidentes de trânsito com base em documentação falsificada.
- O dinheiro teria sido todo revertido para Ivsem e familiares.
- Para justificar pagamentos, Ivsem usou, como beneficiários, nomes de pessoas mortas, de pessoa possivelmente ligadas à fraude e também de outros que sequer sabiam que tiveram os nomes usados. Processos judiciais foram inventados assim como sentenças, falsificadas.
- Além de Ivsem, o MP investiga, nesta etapa da Operação Antares, dois filhos dele, que teriam se beneficiado de valores. Gestores da Carris da época em que ocorreram os desvios serão chamados a prestar esclarecimentos. Quem recebeu dinheiro ou doações a partir do nome da criança morta também será chamado a depor.
Por que "Operação Antares"?
O nome da operação foi inspirado no romance Incidente em Antares, de Érico Verissimo. A obra retrata a história de uma cidade imaginária do interior do Rio Grande do Sul onde duas famílias disputam o poder. Na história, por conta de uma greve geral, sete mortos ficam insepultos e vagam pela cidade causando pânico. Depois de visitarem parentes e descobrirem novos segredos, eles se reúnem e, observados pela população, fazem acusações e denúncias envolvendo os moradores. Um deles, o advogado Cícero Branco, revela provas de enriquecimento ilícito de poderosos locais, pessoas para as quais ele havia trabalhado.