Ao rastrear o destino do dinheiro desviado da Companhia Carris Porto-Alegrense, o Ministério Público (MP) apurou que oito pessoas teriam recebido valores de quem usava a identidade da criança que morreu aos três anos, em 1961, em Porto Alegre. Destas oito, pelo menos quatro, depois de receber dinheiro oriundo da Carris, fizeram doações para a campanha de candidatos do PMDB nas eleições municipais de 2016.
Ou seja: Ivsem Gonçalves, usando a identidade de um morto, teria desviado dinheiro da Carris e, depois, distribuído parte dos valores para outras pessoas que, por sua vez, doaram para candidatos peemedebistas. O MP não revela detalhes sobre quem doou e qual candidato recebeu dinheiro, por se tratar de informações sigilosas, mas quem foi beneficiado com cheques ou transferências bancárias feitas em nome da criança, para depois doar a candidatos, será chamado a prestar esclarecimentos.
Nas eleições de 2014, há um diferencial em relação a repasse de valores: existem doações feitas diretamente em nome da criança, e não por meio de terceiros, como ocorreu em 2016. A partir de busca no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), GaúchaZH verificou que no pleito de 2014, o Comitê Financeiro Único do PMDB recebeu quatro doações feitas em nome do morto: foram três cheques num total de R$ 5 mil e mais uma transferência eletrônica de R$ 1 mil. Também em 2014, a criança aparece como doadora de valores para um candidato — GaúchaZH não revela o nome do político, que se elegeu, porque ele não está sob investigação. A apuração feita pelo MP não detectou, por enquanto, desvios na Carris no ano de 2014, mas, neste ano, Ivsem havia saído da Câmara de Vereadores e trabalhava na companhia e já portava carteira de identidade em nome da criança. Na investigação, o MP apontou que Ivsem tinha "claros vínculos político-partidários".
À época dos desvios detectados (2015 a 2017), a companhia era presidida por Sérgio Luiz Duarte Zimmermann, filiado ao PMDB. Vidal Pedro Dias Abreu era diretor administrativo e financeiro e Pedro Osório Rosa Lima ocupava o cargo de procurador. Segundo o MP, os processos de pagamento deveriam ser fiscalizados pelo procurador e pelo diretor. Além disso, outro detalhe chamou a atenção na investigação: o fato de a assinatura do então presidente aparecer como sendo quem endossou cheques em nome da criança morta destinados a pagamentos de indenizações supostamente devidas pela Carris. Com o endosso, quem portasse identidade do falecido podia sacar os valores. O MP não descarta que a assinatura do então presidente possa ter sido falsificada.
Conforme o promotor Flávio Duarte, os três ex-servidores da Carris serão ouvidos na investigação da Promotoria Criminal. O MP também identificou que valores desviados da Carris foram repassados aos dois filhos de Ivsem, que também são investigados. O dinheiro também foi usado, segundo o MP, para a compra de cerca de R$ 100 mil em joias em nome de Ivsem e para a aquisição de veículos de luxo, como dois Dodge Journey. Por conta disso, o promotor pediu à Justiça o sequestro de bens dos investigados, e a medida foi autorizada.
O que diz o PMDB
"O Diretório Estadual do PMDB-RS informa — que após análise da sua prestação de contas relativa às eleições 2014 —, o partido identificou a doação do total de R$ 6 mil em nome de Alexandre Marc Klejner, cujo valor ocorreu de forma regular e transparente dentro das normas estabelecidas pela Lei para o Comitê Financeiro Único. O recurso foi proveniente da venda de convites para eventos e jantares de arrecadação. O PMDB-RS desconhecia o fato de a identidade do doador ser falsa e defende que toda e qualquer irregularidade seja averiguada com a maior brevidade possível."
O esquema, passo a passo
- Ao assumir a Carris, no começo de 2017, a nova gestão detectou irregularidades em processos de pagamentos de indenizações por acidentes de trânsito causados pela companhia. Ao analisar documentação, descobriu cerca de R$ 800 mil em pagamentos irregulares.
- As suspeitas foram levadas ao Ministério Público, que abriu investigação.
- Ao investigar um nome que se repetia como beneficiário, como advogado de beneficiário ou como pessoa autorizada a receber valores destinados a outros beneficiários, o MP descobriu que o nome de uma criança morta em 1961 estava sendo usado na fraude. A lápide do menino falecido está localizada no cemitério São Miguel e Almas.
- Ao cruzar dados, a Promotoria Especializada Criminal verificou que um ex-servidor da Carris, Ivsem Gonçalves, havia feito, em 1996, carteira de identidade em Santa Catarina em nome da criança e, com o documento, desviava valores de indenizações.
- Foi apurado que o documento do morto foi usado também para abrir conta bancária, comprar carro e doar dinheiro para campanhas do PMDB.
- O MP apurou que entre 2015 e 2017 a Carris pagou R$ 1,7 milhão em indenizações por acidentes de trânsito com base em documentação falsificada.
- O dinheiro teria sido todo revertido para Ivsem e familiares.
- Para justificar pagamentos, Ivsem usou, como beneficiários, nomes de pessoas mortas, de pessoa possivelmente ligadas à fraude e também de outros que sequer sabiam que tiveram os nomes usados. Processos judiciais foram inventados assim como sentenças, falsificadas.
- Além de Ivsem, o MP investiga, nesta etapa da Operação Antares, dois filhos dele, que teriams e beneficiado de valores. Gestores da Carris da época em que ocorreram os desvios serão chamados a prestar esclarecimentos. Quem recebeu dinheiro ou doações a partir do nome da criança morta também será chamado a depor.