Há dois meses morando em Porto Alegre, o estudante francês Brendan Monot, 21 anos, se acostumou a ver todo dia, perto da PUCRS, onde terá aulas de Negócios até julho, o lixo acumulado dentro do Arroio Dilúvio. De uns tempos para cá, caminhando na saída da faculdade pela Avenida Ipiranga, Brendan se surpreendeu ao ver um sofá branco de três lugares, completamente seco, apesar de estar no meio do canal, repousando sobre um banco de areia que parecia uma ilha em meio à inesgotável sujeira do local.
— Tem muito lixo! Não tive uma boa primeira impressão ao ver esse arroio assim. Estou gostando de Porto Alegre, as pessoas são incríveis, mas essa é uma paisagem horrível — diz o intercambista.
Brendan referia-se, mais do que ao arroio que parece um lixão a céu aberto, também ao mato alto na encosta do canal; à grama crescendo a ponto de atrapalhar quem passa pela ciclovia; aos buracos que sobressaltam motoristas em diversos trechos de uma das principais avenidas da Capital — e em tantos outros pontos da cidade. O francês não poupou elogios à receptividade da população, nem à qualidade dos estudos. Sobre o que considera um "abandono" do município, porém...
— Parece que ninguém limpa este ponto há alguns meses. Mas dizem que é assim em quase toda a cidade, né? Há muito tempo está desse jeito? — pergunta o estudante estrangeiro.
No Arroio Dilúvio, o problema se arrasta há quase um ano e meio. Foi em novembro de 2016 que o canal passou por uma dragagem para a retirada de areia e sedimentos pela última vez. Em 2017 e nos primeiros meses deste ano, não houve máquina que fizesse o trabalho que, em um cronograma adequado, deveria ser realizado todo ano.
Aumentando a cada dia, os bancos de terra, frequentes especialmente em um trecho do Dilúvio que vai da Rua Guilherme Alves até a Rua Prof. Cristiano Fischer, já até abrigam vegetação. No lugar da dragagem, o que se vê no arroio, além do ilhado sofá branco e do mato onde deveria haver água, são garrafas de plástico, chinelos, pneus, grandes quantidades de algas e muito, muito lixo.
— Já vi até um carrinho de bebê aí dentro — recorda o universitário Lucas Moreira.
— Não faz muito tempo, o cadáver de um porco passou flutuando bem ali — aponta Márcio Santos, 32 anos, que vive na rua, indicando uma área próxima à Rua Dr. Salvador França onde dorme há seis anos. — E muitas vezes vi peixes mortos também.
Sentado às margens do arroio, Márcio lembra que a sujeira não é algo novo por ali, e que também já viu o canal em momentos mais secos. A soma de tanta sujeira com o assoreamento — a ponto de quase obstruir a passagem da água —e a redução da correnteza, porém, é novidade para ele.
— Parece que ninguém tem vontade de cuidar disso — lamenta Márcio.
Diretor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Carlos Bulhões explica que o principal problema causado pela falta de dragagem, além do acúmulo de lixo, é o risco de inundação.
— Sem a dragagem, corre-se o risco de chuvas de pouca monta inundarem a Avenida Ipiranga. É preciso tirar os sedimentos excedentes e o lixo de dentro do Dilúvio com regularidade para evitar que isso aconteça — afirma Bulhões.
A Secretaria Municipal de Serviços Urbanos explica que, depois de o contrato com a empresa Brasmac ter sido encerrado, em fevereiro de 2017 — e estar, conforme a assessoria da pasta, sob investigação por conta de possíveis irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) —, um novo contrato foi firmado com a Maraskin Projetos e começou a valer em outubro do ano passado. A duração prevista em licitação é de 12 meses, ao custo total de R$ 3,4 milhões.
A dragagem está sendo feita em etapas: começou pela bacia de detenção do Parque Marinha do Brasil, de onde foram retiradas 7,3 mil toneladas de resíduos. Depois, a empresa tirou 800 toneladas na área da bomba 6, na Avenida dos Estados, bairro Anchieta, embaixo do viaduto da freeway. As equipes estão agora no arroio Cavalhada, entre a Avenida Icaraí e a Avenida Diário de Notícias: dali, foram retiradas 7,6 mil toneladas de lixo.
O Arroio Dilúvio é o próximo da fila, de acordo com a prefeitura. A previsão é de que a dragagem no trecho da Avenida Ipiranga seja realizada ainda neste primeiro semestre.