À distância, os galhos com pequenas folhas verdes que pendem de centenas de árvores espalhadas por Porto Alegre podem parecer inofensivos, e em alguns casos até graciosos. Boa parte deles, porém, alertam para um problema que tem feito a vegetação urbana da Capital agonizar: a infestação por erva-de-passarinho, praga que rouba nutrientes das árvores e, quando não controlada, fragiliza e mata a planta onde se hospeda.
Apesar do problema causar risco de queda das árvores, a prefeitura não tem um levantamento preciso do problema e nem estrutura para realizar a manutenção adequada: apenas seis técnicos e 25 operários trabalham diretamente com podas em todas as vias da cidade. Não existe um plano para evitar que as centenas de árvores doentes causem problemas.
— Não existe árvore sadia com erva-de-passarinho. É um sintoma de que a árvore não está bem. Em dias de temporal, se as pessoas olharem as árvores caídas pela cidade, vão ver que muitas delas estavam comprometidas por essa praga — explica o biólogo Flavio Barcelos Oliveira.
Ex-funcionário da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (atual Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Sustentabilidade), onde atuou por mais de quatro décadas, Oliveira acompanhou a reportagem em uma incursão por vias de diversos bairros. Em um passeio de pouco mais de uma hora, identificou dezenas de árvores com diferentes graus de infestação por erva-de-passarinho, praga mais comum na vegetação urbana da Capital.
Mesmo quem não é especialista repara no problema. Taxista desde a década de 1990, Nelson da Silva Damiani, 55 anos, enviou a GaúchaZH dezenas de registros de árvores atingidas pela praga em diferentes pontos da cidade pelos quais circula diariamente. Ele conta que, embora sempre tenha identificado a infestação em vegetais das ruas de Porto Alegre, a quantidade de exemplares atingidos pareceu ter se intensificado nos últimos anos.
— Sempre teve isso, mas não era tanto. O negócio cresceu de maneira rápida, e as árvores estão morrendo, principalmente da região central. Agora estou aqui na Santana falando contigo e tem uma árvore morta e duas tomadas por erva-de-passarinho na minha frente. Mas se as pessoas começarem a reparar vão ver que tem em toda a cidade — diz.
A avaliação do biólogo confirma a percepção do taxista. E, na escala em que o problema se mostra pela cidade, ele pode oferecer riscos aos serviços e à circulação. Isso porque a peste, a medida que evolui, torna os vegetais mais vulneráveis a quedas. Seria possível controlar o problema com podas regulares, o que não é feito na Capital, onde o serviço ocorre apenas quando solicitado — no ano passado, a pasta acumulava mais de 10 mil pedidos de poda à espera de atendimento. A Smams, que não tem um levantamento do número de vegetais afetados, diz investir na prevenção através do plantio de espécies nativas, menos suscetíveis à praga.
— Nós temos seis técnicos que acompanham e estão diretamente relacionados a eles na rua, conduzindo esse trabalho. Eles trabalham pelo recebimento de demandas, mas também olham no entorno as árvores que estão por ali e fazem um levantamento. Em termos técnicos, nossa equipe é suficiente. O que está aquém é a capacidade operacional — diz a coordenadora de áreas verdes da Smams, Gabriela de Azevedo Moura.
Árvores infestadas em diferentes bairros
O bairro Jardim Botânico é um dos lugares onde algumas espécies padecem com a erva-de-passarinho em diversas vias. À altura do número 705 da Rua Itaboraí, três ligustros se mostram infestados, com grau de comprometimento considerado reversível pelo biólogo. Já na Rua La Plata, em frente ao número 450, duas extremosas denunciam a falta de manutenção da vegetação municipal: estranguladas pelas raízes da erva-de-passarinho, que retiram a seiva bruta das árvores, elas secaram completamente.
— A erva-de-passarinho tem raízes especializadas em retirar a seiva bruta das plantas, e é mais eficiente do que as árvores na transformação dela em seiva elaborada. Por isso ela se prolifera muito rápido. Senão é retirada, logo vira erva-de-passarinho com planta — diz Oliveira.
À altura do número 99 da Rua Antão de Faria, no bairro Bom Fim, três dos quatro ligustros que ocupam parte da calçada apresentavam a peste. Na mesma via, à altura do número 60, outro exemplar da mesma árvore parecia camuflado pelo alto grau de erva-de-passarinho, que já tomava conta da copa.
Circular por vias da região central mostra um cenário ainda mais desanimador. Na Rua Fernando Machado, arborizada com ligustros ao longo de quase toda a sua extensão, a impressão é que as árvores têm franjas, tão comum é a praga nos vegetais plantados sobre a calçada. Em frente ao casario que embeleza um trecho da via, há um exemplar com a copa altamente comprometida, enquanto na esquina com a Rua Espírito Santo dois outros da mesma espécie dão seus últimos suspiros.
Os múltiplos exemplos demonstram a falta de prevenção do poder público. Quando chega ao estágio mais visível, em que os galhos pendem da copa das árvores, a erva-de-passarinho já está instalada no vegetal há pelo menos dois anos. Se fossem realizadas vistorias e podas regularmente, muitos dos vegetais hoje altamente comprometidos poderiam ter sido preservados.
— Na maior parte das vezes a erva-de-passarinho não representa nenhum risco. Quando está no começo, é um serviço menor, mais fácil de fazer. Essas pequenas limpezas não estão sendo controladas por falta de infraestrutura. Sabemos que existem, que tem que fazer, mas só vamos conseguir quando tiver o serviço terceirizado — admitiu a coordenadora de áreas verdes, que destaca que árvores caídas ou com risco de queda recebem são priorizadas pelo serviço de podas.
Em nota, a secretaria defende que "com o plantio de árvores nativas como prioridade, a tendência é que, ao longo do tempo, a incidência erva-de-passarinho diminua" — a priorização de espécies nativas está prevista no Plano Diretor de Arborização Urbana.
As podas e retirada de erva-de-passarinho são realizadas por demandas feitas pelo 156, por técnicos da Smams ou por órgãos da prefeitura. Conforme a Secretaria de Serviços Urbanos (Surb), que executa as podas, existe uma licitação para contratar um serviço terceirizado, e a expectativa é que a empresa vencedora comece a trabalhar ainda no primeiro semestre.
Abundância de espécies exóticas causou problema
Comum nos vegetais de Porto Alegre, pode-se dizer que a infestação por erva-de-passarinho foi um problema literalmente plantado pelo poder público municipal. A opção pelo plantio de espécies exóticas — como ligustros, cinamomos e extremosas — em detrimento de plantas nativas, décadas atrás, deixou a flora urbana vulnerável à peste.
— As espécies exóticas são mais fáceis de plantar e crescem mais rápido que as nativas, mas, como não são tão adaptadas, crescem mais frágeis e suscetíveis a pragas — conta Oliveira.
Para reverter o problema, na década de 1990, foi criado o Plano Diretor de Arborização Urbana, destacando a importância de priorizar o plantio de espécies nativas na Capital. Em 2006, uma resolução do Conselho Municipal do Meio Ambiente (Comam) definiu a utilização predominantemente de espécies nativas regionais em projetos de arborização, com um percentual mínimo de 70%.