O gari Marcos de Souza varre há tempo a Rua da Praia e nunca reparou na Casa dos Leões, construção centenária de três andares que fica de frente para o QG da Brigada Militar. Abandonada há mais de 20 anos e escondida atrás de um tapume de cinco metros de altura, ela poderia ser um exemplo do ecletismo em Porto Alegre, movimento arquitetônico evidenciado nos balaústres e nos ornamentos em relevo da fachada. Mas o pouco que dá para ver do imóvel parece que vai cair, como indicam as escoras. Nem as estátuas de leão que deram nome ao casarão resistiram: apenas pombos e gatos ocupam o local.
A promessa é de que o imóvel volte a ganhar vida, tornando-se sede do Instituto Zoravia Bettiol. No dia 22, a prefeitura deve entregar as chaves do prédio inventariado pela Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural de Porto Alegre (Epahc) à entidade, assinando o documento de permissão de uso por tempo indeterminado. A partir de então, o instituto vai realizar um projeto de restauro e começar a buscar patrocinadores para as obras — ainda não há previsão de quando será reaberto.
A arquiteta Ester Meyer, responsável pelo projeto arquitetônico de adaptação do imóvel, relata que ainda será necessária uma avaliação estrutural das paredes. Pelo que já foi possível perceber, será preciso recuperar os ornamentos da fachada, refazer as lajes internas, consertar o telhado, limpar o grande pátio que há nos fundos, refazer rebocos, pintar todo o imóvel, entre outras ações. Ela ainda não pode estimar o valor necessário.
O espaço promete ser mais uma atração cultural em um corredor do Centro Histórico que reúne Usina do Gasômetro, Casa de Cultura Mario Quintana, Museu da Comunicação, Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs) e Centro Cultural CEEE - Erico Verissimo. De acordo com Zoravia Bettiol, artista plástica de 82 anos que preside e dá nome ao instituto, além de conservar sua própria obra, o casarão será um espaço multiúso, sediando cursos, oficinas, exposições e palestras.
— Hoje em dia, um centro cultural irradia cultura em muitas direções — observa Zoravia.
Imóvel já se transformou em "Casa Monstro"
O então prefeito José Fortunati assinou decreto permitindo o uso da construção alguns dias antes de deixar o Paço Municipal, em dezembro de 2016. Atual coordenador da Memória Cultural, da Secretaria Municipal de Cultura (SMC), Eduardo Hahn explica que o documento que deve ser assinado neste mês determina as possibilidades e responsabilidades da instituição para o uso do imóvel.
Hahn relata que o município não deu conta de conservar o imóvel, por isso buscou uma parceria público-privada para sua recuperação. Ressalta que não haverá nenhum gasto aos cofres públicos.
Não é a primeira vez que o município tenta dar um destino ao casarão. No começo da década de 1990, ele chegou a ser cotado para abrigar as pinacotecas Aldo Locatelli e Ruben Berta. De acordo com reportagem publicada em ZH em 2002, a proposta ficou no papel em razão dos altos custos que demandaria. Falta de verba também foi o motivo para o fracasso do projeto de levar a Coordenação da Dança da SMC ao espaço, de acordo com Hahn.
A Casa dos Leões ganhou uma breve finalidade em 2009, quando transformada em uma das obras mais chamativas da Bienal. Foram utilizados canos de PVC, madeira, lâminas de compensado flexível e restos de construção civil para dar forma a uma estrutura semelhante a um tumor brotando da arquitetura pelas janelas e portas. Denominada Tapume, a arte foi apelidada de Casa Monstro. À época, o artista plástico paulista Henrique Oliveira disse que "queria chamar atenção para essa casa, tão bonita, e passando desapercebida pelas pessoas".
Histórico
— De acordo com pesquisa feita pela arquiteta Ester Meyer, a Casa dos Leões começou a ser construída no final do século 19, sendo inicialmente uma casa térrea, com três janelas e portão de ferro.
— Nas décadas seguintes, ela seria ampliada, recebendo mais dois andares e características do movimento eclético.
— Nos anos 1950, o imóvel transformou-se em um prédio residencial com quatro apartamentos distintos: um no porão, que se torna habitável a partir de uma alteração no nível do entrepiso inferior, outros dois no andar intermediário, e mais um no andar superior. Nos anos 1980, ainda seria transformada em cortiço.
— A Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural de Porto Alegre (EPAHC) não dispõe de detalhes sobre a história do imóvel. Informa que ela foi doada ao poder público municipal em 1990 pela empresa Ciasul.