Arquiteto, urbanista e presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil no Rio Grande do Sul, Rafael Passos acredita que os cidadãos deveriam cumprir seus papéis prioritários — como cobrar eficiência do poder público e manter as calçadas em boas condições — antes de assumir outras tarefas. Confira trechos da entrevista:
Como o senhor vê a realização de serviços por parte de moradores em áreas públicas de Porto Alegre? Isso é positivo?
Vemos que não há o atendimento de algumas demandas. Mas há situações em que não se pode permitir que as pessoas assumam a função (da prefeitura), porque nem têm o equipamento necessário para a tarefa, como jardinagem em corredores de ônibus, por exemplo. Se as pessoas começam a assumir essa função, pode haver um acidente. Agora, claro, fazer um trabalho de jardinagem, melhorar o entorno de uma árvore, um jardim na calçada, isso é fundamental. Mas o cidadão não vai podar uma árvore, porque é um trabalho técnico que demanda critérios.
Em determinada medida, essa prática procura compensar a precariedade no serviço público?
Não parece haver dúvida disso. Há um aspecto positivo que é as pessoas demonstrarem preocupação com a qualidade do ambiente no seu entorno. Por outro lado, qual seria grande gasto para o município estar virando as costas para esse problema ou deixando de cobrar que um terceirizado cumpra o cronograma de capina no prazo?
Qual deve ser o limite para a ação do cidadão, de forma que seja um hábito positivo de envolvimento e cuidado com a cidade?
O primeiro papel do cidadão é exigir que o poder público cumpra o que é seu dever. Antes de o cidadão assumir uma tarefa que está colocada como responsabilidade do município, deveria se reunir e exigir o cumprimento daquela tarefa. É um papel da cidadania, às vezes, mais importante do que assumir uma lacuna que não é dele. Não estamos conseguindo nem assumir aquilo que seria responsabilidade nossa de fato, como as calçadas. Se o cidadão demonstra que não consegue cuidar nem da calçada, por que assumiria outras funções? Preocupa um pouco também por qual qualidade ele vai conseguir dar a esses outros espaços que está assumindo para si.
Esse voluntarismo é um fenômeno localizado em Porto Alegre ou reflete uma crise de confiança mais geral do cidadão na capacidade do poder público?
Não parece ser um fenômeno isolado. A gente tem visto isso em alguns lugares, mas, em Porto Alegre, talvez pelo acúmulo de serviços que não estão sendo atendidos da maneira que se espera, pela especificidade da questão da jardinagem e da capina, que é simples, aparentemente as pessoas estão pensando: já que arrumo o meu pátio, por que não (arrumar áreas públicas)?