O ano letivo na rede municipal de Porto Alegre começa com novidade: uma parceria público-privada para atender alunos da Educação Básica. A Secretaria Municipal da Educação (Smed) define o termo de colaboração assinado com a Pequena Casa da Criança como a primeira experiência da Capital com uma escola comunitária no Ensino Fundamental — o modelo já era adotado na Educação Infantil. No entanto, a parceria já esbarra em questões financeiras. O primeiro pagamento à instituição localizada na Vila Maria da Conceição, no bairro Partenon, deveria ter sido feito no fim de janeiro, mas os R$ 158 mil ainda não entraram na conta.
O termo de colaboração entre a Smed e a Pequena Casa da Criança, instituição sem fins lucrativos ligada à congregação católica Missionárias de Jesus Crucificado, foi assinado no fim de dezembro. As aulas para 222 alunos do primeiro ao quinto ano do Ensino Fundamental terão início na quarta-feira (21) — mesmo com o atraso no repasse de verba da prefeitura.
A diretora-presidente da instituição, irmã Pierina Lorenzoni, comemora a parceria com a prefeitura, mas teme que o atraso no pagamento se prolongue e vire rotina, prejudicando o desenvolvimento das atividades.
— Estamos contentes com o convênio, mas infelizmente a verba prometida para o dia 31 não chegou. Temos dificuldade financeira para pagar os professores, tivemos de correr para arrumar dinheiro emprestado.
O secretário municipal da Educação, Adriano Naves de Brito, afirma que os valores serão depositados até quarta-feira. O atraso decorreu, segundo a secretaria, de questões burocráticas para aprovação do primeiro pagamento.
Até 2017, a prefeitura tinha uma política de compra de vagas na Pequena Casa da Criança, por meio de convênios firmados todos os anos. Agora a parceria segue as regras do Marco Regulatório das da Sociedade Civil, lei federal que normatizou a relação entre o setor público e as organizações privadas sem fins lucrativos. O termo de compromisso assinado no fim de dezembro tem validade de cinco anos, e inclui ainda a oferta de 130 vagas na Educação Infantil. O valor pago por aluno é de R$ 452, em média.
Desde o ano passado, a prefeitura tem assinado termos de compromisso na Educação Infantil — são 219 escolas comunitárias nesse modelo, mas apenas a Pequena Casa da Criança pode ofertar vagas no Ensino Fundamental. O secretário Adriano Naves de Brito diz que a escolha se deve à demanda do bairro Partenon:
— Não temos escola municipal na região atendida pela Pequena Casa da Criança. E avaliamos a qualidade do trabalho que a instituição oferece para a população.
Novas parcerias previstas para 2019
O secretário afirma que novas parcerias devem ser firmadas neste ano para abrir vagas no Ensino Fundamental a partir de 2019. Serão escolhidas regiões onde não há vagas em escolas públicas.
— É um modelo que vale a pena ampliar. No Ensino Fundamental, precisamos de mais uma ou duas escolas para atender necessidades pontuais.
Questionado sobre por que não ampliar a oferta na rede pública, Naves de Brito avalia que as vagas privadas podem ser oferecidas de forma mais rápida, já que não dependem da realização de concursos públicos para professores e da construção de novos prédios.
— Tem uma questão financeira, de economizar recursos, mas não é só isso. O principal é que é um novo modelo de ensino, aumentando a pluralidade do ecossistema educacional do município. Teremos a possibilidade de comparar e saber qual funciona melhor (se é a escola pública ou a parceira) — diz.
Nesse novo modelo, a gestão das finanças, a contratação de professores e as questões pedagógicas são de responsabilidade do parceiro privado. Naves de Brito afirma que a Smed vai fiscalizar o cumprimento das regras e pretende criar uma avaliação da qualidade do ensino para justamente poder comparar os modelos.
Tem uma questão financeira, de economizar recursos, mas não é só isso. O principal é que é um novo modelo de ensino, aumentando a pluralidade do ecossistema educacional do município.
ADRIANO NAVES DE BRITO
Secretário Municipal de Educação
A presidente do Conselho Municipal de Educação, Isabel Medeiros, não tem a mesma empolgação do secretário com a parceria. A doutora em educação pela UFRGS diz que o órgão não foi consultado sobre as mudanças:
— Não houve consulta prévia nem parecer do conselho sobre esse novo modelo de conveniamento, que fere o Plano Municipal de Educação ao priorizar o aumento das vagas na iniciativa privada, e não na escola pública. É uma política que vai na contramão de tudo que era feito e agora teremos de analisar as condições para esse funcionamento.
Apesar dos percalços financeiros, a diretora-presidente da Pequena Casa da Criança está otimista. A ideia é ampliar as vagas até o nono ano do Ensino Fundamental.
— O contrato de cinco anos nos dá uma certa tranquilidade. O secretário me disse que fomos escolhidos para ser uma escola-modelo. E estamos fazendo a nossa parte. Os professores têm curso superior, estamos melhorando a estrutura, temos várias atividades para as crianças — afirma.
Reforma nas férias para receber novos alunos
Os últimos dias foram de correria na Pequena Casa da Criança para aprontar as obras de substituição dos pisos e pintura nas salas que vão receber as turmas do Ensino Fundamental a partir de quarta-feira — pelo cronograma inicial, as atividades teriam início na segunda-feira, mas foi preciso adiar. A instituição filantrópica foi criada na década de 1950 no alto da Vila Maria da Conceição para atender desde crianças a idosos em situação de vulnerabilidade social. É mantida desde então com doações e com as parcerias com o poder público.
Quando a reportagem esteve na instituição, no dia 8, além do barulho das obras, outro som chamava atenção no lugar: no fundo de um longo corredor, um grupo de adolescentes arriscava acordes de violoncelo. Os equipamentos foram adquiridos com o dinheiro repassado pelo Criança Esperança. Os futuros músicos são crianças da comunidade, que já passaram por aulas de flauta e de percussão.
Em outra sala, estava um grupo do programa Jovem Aprendiz. São estudantes da comunidade que trabalham em escritórios, agências bancárias e em outras empresas. Alguns frequentam a Pequena Casa desde a infância, por conta da creche e das atividades extracurriculares. Entre eles estava Nathaly Santos da Silva, 18 anos, estudante do Ensino Médio em uma escola estadual do bairro:
— Fui aluna na creche. Dizem que o bom filho à casa retorna. E eu voltei com a oportunidade de conseguir um emprego — diz a jovem que trabalha no Banrisul.
Apesar do espaço apertado, o prédio conta com laboratório de informática, refeitório e um ginásio na ruela em frente. Por ser uma instituição católica, imagens de santos e do papa Francisco decoram os corredores e a sala da diretora-presidente. A partir do termo de colaboração com a prefeitura, a instituição tem como responsabilidade garantir a contração de professores com formação adequada, dar alimentação aos alunos e manter a estrutura. A irmã Pierina reconhece que é preciso ampliar a estrutura e fala de um sonho, construir um prédio novo em um terreno ao lado:
— O projeto já está praticamente pronto. Mas vamos precisar de doações.