Localizada entre o Monumento ao Laçador e o Túnel da Conceição, uma das mais importantes vias de Porto Alegre transforma-se, pouco a pouco, em um cemitério comercial. Se no passado a prostituição era vista como principal problema da Avenida Farrapos, que tinha intensa movimentação de comércio durante o dia, hoje a sensação de insegurança e a degradação dos prédios antigos espantam até mesmo quem aproveitava o movimento para faturar com a movimentação do local.
De boa parte do comércio que ocupava espaços no térreo de edifícios de uso misto ou imóveis inteiros nas quadras entre a Rua Ramiro Barcelos e Barros Cassal, no Centro, restaram apenas fachadas. Letreiros de revendas de veículos, gráficas, salão de beleza, funilaria, bares e casas noturnas são rastros do que um dia foram empreendimentos na via.
— A Farrapos virou uma cidade abandonada. Não há mais interesse nos prédios: estão velhos, abandonados, sem manutenção. Alguns negócios permaneceram, mas tem vários fatores que não são atrativos — avalia Jose Antonio Zaniratti, dono de uma loja de materiais para audiovisual e lâmpadas quase à esquina da Barros Cassal.
Zaniratti faz parte de uma minoria de comerciantes que resiste na Farrapos. Quando abriu o negócio no ponto em frente ao atual, 15 anos atrás, segundo lembra, a avenida era outra. Comércios diversos movimentavam a via durante o dia — à noite, já era conhecido ponto de prostituição. Pouco a pouco, porém, as lojas foram esvaziando. Maioria na região, os prédios antigos — vários deles em estilo art dèco — começaram a padecer com o abandono: muitos estão pichados, e outros tantos tiveram janelas e vidraças quebradas, grades entortadas ou arrancadas, publicidade colada nas paredes.
As placas estão lá: vende-se ou aluga-se boa parte dos imóveis nos quarteirões mais próximos do centro da Capital. Mas cada vez menos parece haver interessados em empreender na via que, na década de 1980, recebeu o primeiro corredor de ônibus da cidade.
Rotina de roubos e furtos perturba comerciantes
A debandada do comércio não tem explicação única, mas quem optou por permanecer aponta alguns fatores, para além das más condições de parte dos imóveis à disposição. Apesar de a Farrapos estar próxima ao Centro e à entrada da cidade, estacionar por lá é um desafio: não é permitido parar ao longo da via, e há poucos pontos de estacionamento próximos. Além disso, é difícil encontrar quem se aventure diante do clima de insegurança constante a que são submetidos pedestres, moradores e comerciantes.
O reforço na grade da janela de uma lancheria que vende produtos coloniais entre as ruas Ernesto Alves e Comendador Coruja exibe a preocupação de quem permanece na via com roubos e furtos. Apesar da precaução, Priscila Trindade de Souza, 33 anos, não se surpreende mais com a violência. As duas lanchonetes da família na avenida, segundo suas contas, já foram assaltadas mais de 30 vezes nas duas últimas décadas.
— Da última vez, em 2016, eu estava grávida. Entraram dois homens armados e ficaram 20 minutos aqui, ameaçando, passando revólver na barriga. E não entrou ninguém nesse meio tempo. A Farrapos ficou mais perigosa e o movimento diminuiu muito. O pessoal tem medo de andar aqui — relata.
O medo da violência fez com que boa parte de quem permanece na Farrapos desenvolva suas próprias estratégias para se proteger. Além das três grades na janela, Priscila instalou uma porta em vidro, que permanece fechada, e alterou o horário de funcionamento de seu estabelecimento: passou a fechar as portas mais cedo e deixou de abrir aos finais de semana. Perto dali, uma igreja e uma tabacaria vizinhas à loja de Zaniratti contrataram seguranças privados.
Ciente dos perigos da região, Rosemara Pretto Neves, 36 anos, toma precauções desde que abriu o loja de venda e conserto de relógios na Farrapos, há três anos. Instalou alarmes e câmeras, e controla a entrada dos clientes – eles precisam tocar a campainha para que abra a porta, que fica chaveada. Também contratou um caseiro para ficar de olho no local desde que a loja teve o ar condicionado furtado, no verão passado.
Apesar disso, conta, a escolha pela via foi positiva para os negócios. Com boa parte dos clientes vindos do Interior, a loja na Farrapos, que conta com uma vaga de estacionamento, tornou-se mais conveniente que o antigo ponto na Rua dos Andradas.
— Aqui tem muito potencial: é o bairro mais próximo do Centro, é a chegada de Porto Alegre. Com certeza a segurança tem piorado por causa do crack, porque tem muito roubo durante o dia. Mas desde que estamos aqui já abriu um restaurante e um despachante aqui perto. Temos esperança que vá ficar mais movimentada — diz.