Durante o verão, piscinas e clubes tornam-se opção para quem permanece na cidade se refrescar nos dias quentes. Mesmo sem o perigo de ondas fortes, repuxo e buracos de areia, comuns nas praias de mar, uma lei que prevê a obrigatoriedade da presença de guarda-vidas em locais com opções aquáticas de lazer está em vigor em Porto Alegre desde 2013 mas, sem regulamentação, ainda gera dúvidas. Para completar, a legislação estadual sobre o assunto também não está regulamentada.
A regra municipal estabelece que os resgatistas fiquem nos estabelecimentos durante todo o funcionamento e também nos eventos em que exista circulação de pessoas no entorno. O projeto de lei, de autoria do ex-vereador Paulinho Rubem Berta (PPS), foi aprovado pela Câmara Municipal em dezembro de 2012 e sancionado pelo então prefeito José Fortunati em fevereiro do ano seguinte. O texto declara que áreas utilizadas por até 250 pessoas tenham um salva-vidas. Locais que receberem entre 250 e mil pessoas devem ter dois guarda-vidas e, acima de mil, três resgatistas.
À época, Rubem Berta justificou no projeto que, no Brasil, 8 mil pessoas morrem por ano em decorrência de afogamentos. Destes, 65% são crianças. O Rio Grande do Sul estaria entre os cinco Estados com mais casos. Cinco anos após a lei ter entrado em vigor, o ex-vereador ficou surpreso ao saber que não há regulamentação nem fiscalização da norma.
— Temos perdido muitas crianças em piscinas, com mortes acidentais. Tem clubes, locais que ultrapassam o limite de segurança. A proposta do projeto era para tentar salvar vidas, para obrigar proprietários a se precaverem com salva-vidas em clubes e lugares com piscinas grandes para atividades aquáticas de lazer — pondera Rubem Berta, explicando que o projeto não foi pensado para grandes condomínios, mas que eles poderiam ser incluídos na norma.
De acordo com a legislação, os estabelecimentos que não se adequarem à lei receberão advertência e deverão se adaptar em 48 horas. Se a obrigatoriedade não for cumprida, os locais poderão receber multa, interdição e até a cassação do alvará de funcionamento.
Conforme a prefeitura, no entanto, não há fiscalização de agentes para saber se os locais da Capital estão cumprindo a regra, tendo em vista que a lei não traz essas especificidades. A lei também foi assinada pela Secretária Municipal de Esportes, Recreação e Lazer, que hoje integra a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS). No entendimento da SMDS, sem regulamentação, a lei por si só não existe — não há um artigo que detalhe o que e como deve ser feito trabalho dos guarda-vidas.
A regulamentação da norma deve entrar em pauta na agenda da prefeitura nos próximos dias. Entretanto, a secretaria garante que os professores que atuam nas piscinas públicas da Capital têm capacitação e qualificação para atuar como guarda-vidas.
Conforme o professor de direito da Pontifícia Universidade Católica do Estado (PUCRS), Pedro Adamy, as leis podem ser autoaplicáveis, no sentido de que nem sempre precisam de regulamentação. Mas, para ele, a lei deixa margem para interpretações quanto aos locais que devem ou não seguir a regra, como o caso de grandes condomínios com piscinas.
— A lei em si (municipal) não pede nenhum decreto. Ela traz (sic) que, casos em que são necessários salva-vidas, as consequências do não cumprimento. Mas os termos estabelecimentos e opções aquáticas de lazer deixam aberturas para definir o que pode ser considerado ou não. Não há um critério. Talvez seja o caso de o prefeito especificar para quais locais a norma se aplica — explica Adamy.
Uma lei estadual que prevê a obrigatoriedade de salva-vidas também não está regulamentada e deixa brechas para interpretação. Sancionada em 2013, a norma trata de balneários e parques aquáticos. Conforme Rodrigo Dutra, major do Comando do Corpo de Bombeiros Militar do Estado, a falta de regulamentação prejudica a fiscalização e a eficácia da regra:
— Não temos hoje como tomar qualquer providência em relação a uma atividade aquática porque não temos regulamentação. Não temos um parâmetro a seguir que tenha sido determinado por lei. Não se diz qual órgão estadual é competente.
Mesmo sem fiscalização, um dos clubes que tem guarda-vidas nas piscinas é a Sociedade de Ginástica Porto Alegre (Sogipa), na Zona Norte. No local, trabalham dois profissionais por turno nas 10 piscinas durante a temporada de verão, de novembro a março.
Nos finais de semana de maior movimento, o espaço chega a receber 500 pessoas. Sem saber da legislação, a entidade informa que os resgatistas trabalham no local por precaução e contam com o apoio de outros profissionais do local que receberam treinamento para primeiros socorros.
Em um condomínio de 224 apartamentos com piscinas adulto e infantil, na Zona Sul, a obrigatoriedade de salva-vidas no local gerou dúvidas em moradores:
— Uma moradora questionou se não precisaríamos ter guarda-vidas nas nossas piscinas e, em um primeiro momento, não sabíamos ao certo o que fazer. Mas consultamos o (departamento) Jurídico da administradora do condomínio e, ao que tudo indica, não precisa ter salva-vidas. Não há necessidade — relata o síndico Renato Gayesky.
Para o major dos bombeiros, que também é diretor administrativo da Sociedade Brasileira de Salvamento Aquático (Sobrasa), o ideal seria que esses locais tivessem serviço de resgatista.
— Devia ter guarda-vidas em condomínios, por exemplo, mas a lei não conseguiu avançar nesse processo. Mesmo que a legislação não obrigue, é indicado ter um profissional no local, visando à segurança das pessoas, especialmente de crianças e idosos — acrescenta.
É o caso de outro condomínio residencial em Porto Alegre, que tem cerca de 400 unidades e três piscinas. Durante a semana, o local é supervisionado por um salva-vidas, que nos finais de semana conta com a ajuda de mais um profissional.
— Acho que é necessário para a segurança dos moradores, e tem muita criança. Se acontece alguma coisa, eles (guarda-vidas) prestam atendimento — diz Tatiana Martinelli, que atua na administração do condomínio.
Tanto a lei municipal quanto a estadual não foram regulamentadas, veja o que diz cada uma:
Lei municipal
Obriga os estabelecimentos que possuam piscinas ou opções aquáticas de lazer a disporem de salva-vidas. Áreas utilizadas por até 250 pessoas devem ter um salva-vidas. Locais que receberem entre 250 e mil pessoas devem ter dois guarda-vidas e, acima de mil, três resgatistas.
Lei estadual
Em águas internas em estabelecimentos comerciais para recreação e/ou competição, é obrigatória a presença de um guarda-vidas para cada 150metros de orla. O texto diz ainda que a lei poderá ser regulamentada para sua aplicação.