Vinte e cinco anos depois de começar a trabalhar no Bar do Beto, Dinarte Valentini está planejando pedir a conta. O garçom mais antigo da casa — e também um dos mais populares de Porto Alegre — já combinou com os chefes que, mais tardar no próximo ano, vai sair para se dedicar exclusivamente à carreira de advogado.
Por enquanto, a jornada é dupla todo dia. Graduado em Direito pelo Uniritter desde 2010, Dinarte, 47 anos, divide um escritório com dois advogados na Avenida Getúlio Vargas, no bairro Menino Deus. Quando dá 17h30min, troca o terno pelo uniforme do tradicional bar da Avenida Venâncio Aires — mas o anel dourado cravejado com um rubi, presente de amigos na formatura, segue no dedo anelar.
Ele ainda não marcou no calendário a data para deixar o Bar do Beto: pretende primeiro concluir o curso de especialização em Processo Civil que está fazendo. Mas já vem preparando os clientes:
— Na vida, a gente tem que abrir mão de algumas coisas em detrimento de outras. Tem que correr atrás dos sonhos.
Na década passada, o garçom retomou os estudos interrompidos na adolescência, quando trabalhava na roça em Doutor Ricardo (na época, distrito de Encantado). Concluiu os ensinos Fundamental e Médio e, na sequência, preparou-se para o vestibular. Por que escolheu Direito?
— Sempre me chamou atenção... Pensei que eu podia contribuir de alguma forma — justifica.
Essa época, lembra ele, foi "puxada". Ainda mais do que é agora: às vezes, viaja 500 quilômetros em um dia para compromissos do escritório e, à noite, segue atendendo, com o mesmo bom humor, a freguesia do bar. Lembra que, por vezes, servia comes e bebes até as 5h e amanhecia fazendo trabalhos da faculdade.
— O Dinarte é digno de pesquisa. Trago vários amigos e, quando conto a história dele, eles ficam impressionados — conta um dos seus fiéis fregueses, Helder Jacoby, 48 anos, que o define como uma figura "cativante".
Dinarte chegou a Porto Alegre com 17 anos em busca de oportunidades de trabalho e ingressou no Bar do Beto em outubro de 1992. Sócio do estabelecimento, Fabiano Fontana destaca a popularidade que o garçom conquistou:
— Tem gente que entra e vai direto no lado dele: cadê o Dinarte?
Na vida, a gente tem que abrir mão de algumas coisas em detrimento de outras. Tem que correr atrás dos sonhos
Dinarte Valentini
Garçom e advogado
Além da confiança da clientela, o bar ainda lhe rendeu o sustento das duas filhas, muitos amigos — a maior parte dos que tem hoje — e até o amor da sua vida. Foi ali que viu pela primeira vez Cláudia, que mais tarde se tornaria sua esposa. Ela era cliente do bar.
— Eu achei ela muito bonita, mas fiquei com vergonha e pedi para um colega meu entregar um bilhete. Quando as amigas foram no banheiro, eu me apresentei, trocamos telefones e, em seguida, a gente saiu pra jantar _ rememora a passagem do ano de 1998. — Eu me emocionei várias vezes em pensar nessa história, nesses desdobramentos da minha vida.
Com tantas memórias, fácil não vai ser o momento da despedida.
— Ah, mas a gente dá uma passadinha aqui de vez em quando pra rever os amigos, matar a saudade — promete.
- Mais sobre: