Um dos mais antigos hospitais de Porto Alegre, o Beneficência Portuguesa passa por um dos momentos mais difíceis da sua história. Em atuação desde 1859, a casa de saúde está com apenas 5% dos leitos ocupados. Das 187 vagas, sendo 116 exclusivas para o Sistema Único de Saúde (SUS), apenas 10 estavam sendo utilizadas na última terça-feira (17).
A redução no número de pacientes é causada pela crise financeira da instituição, que se agravou nos últimos meses. Com 158 anos, o hospital é filantrópico e tem como mantenedora a Associação Portuguesa de Beneficência, reconhecida como utilidade pública federal, estadual e municipal na década de 1960.
Funcionários relatam três meses de salários atrasados, além de falta de insumos como remédios, seringas, gases e até papel higiênico.
— Parece estar à deriva. A gente não pode perguntar nada para a direção, ninguém fala nada. Cada dia a gente fica mais desesperada, mais angustiada — conta a técnica em enfermagem Mônica Villablanca, de 53 anos, que trabalha há cinco anos na instituição.
De acordo com o secretário de Saúde de Porto Alegre, Erno Harzheim, a prefeitura está em dia com os valores contratados, que somam R$ 1,7 milhão por mês – inclusive tem quase R$ 6 milhões em crédito, por serviços pagos e não prestados pelo Beneficência.
— A situação do hospital nos preocupa há muitos meses. Nós estamos empenhados em ajudá-los a resolver a questão de sustentabilidade financeira, dentro da responsabilidade do ente público. Tanto é que o ajudamos na obtenção de empréstimo bancário através da negociação com o Ministério da Saúde — ressalta.
Mas o titular municipal da Saúde frisa que a crise pela qual passa o Beneficência Portuguesa é de origem da própria instituição.
Desde o mês de agosto, o GaúchaZH acompanha o caso. Em setembro, o diretor da casa de saúde, José Antônio Pereira de Souza, afirmou que aguardava a liberação de um financiamento de R$ 14 milhões junto à Caixa Econômica Federal para quitar os salários e injetar dinheiro em caixa. Na ocasião, o empréstimo estava em análise pela superintendência do banco no Rio Grande do Sul e ainda precisava de aval do órgão em Brasília.
Desde então, o executivo não atendeu mais as ligações e mensagens da reportagem e não permitiu, nesta semana, que sejam feitas fotos na sala de espera do hospital. Erno Harzheim, no entanto, relata que conversa com a direção da instituição semanalmente.
— A informação repassada pelo Beneficência Portuguesa é que, com a obtenção desse valor, conseguirá recuperar sua atuação. Nós estamos, neste momento, em compasso de espera, aguardando se essa solução vai se efetivar ou não — relata.
Diante do agravamento dos problemas, três sindicatos denunciaram o caso na Justiça do Trabalho e no Ministério Público (MP). Os presidentes do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), Paulo de Argollo Mendes; do Sindicato dos Enfermeiros do Estado, Estevão Finger; e do Sindicato dos Profissionais de Enfermagem, Técnicos, Duchistas, Massagistas e Empregados em Hospitais e Casas de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul (Sidisaúde-RS), Arlindo Ritter, defendem a intervenção do hospital pela prefeitura. A proposta das entidades, porém, é refutada pelo secretário de Saúde da Capital.
— A intervenção do município sobre o hospital privado é uma péssima ideia e só é propagada pelas instituições que não vão arcar com a responsabilidade da intervenção. Essa hipótese não existe de maneira alguma — rebate Harzheim.
A precariedade do Beneficência Portuguesa é acompanhada de perto pelo MP. De acordo com a promotora Liliane Pastoriz, da Promotoria dos Direitos Humanos, dois inquéritos civis tramitam desde 2014.
— São investigações diferentes, mas ao fim a gente chega à mesma conclusão: a situação financeira do hospital também tem um viés de má gestão — detalha, acrescentando que inclusive tem apontamentos sobre a deterioração das condições do local.
Conforme Liliane, duas audiências foram feitas pelo órgão só neste ano, a última ainda em agosto.
— Nós estamos acompanhando, mas é muito difícil diante do endividamento do hospital compelir o gestor para qualquer outra atitude que não seja exigir a prestação do serviço — lamenta.
Dívida acumulada com a prefeitura
O Beneficência Portuguesa tem quase R$ 6 milhões em débito com a prefeitura de Porto Alegre em relação aos atendimentos pelo SUS. A conta é resultado dos serviços pagos pelo município e não prestados pela casa de saúde. São quase quatro meses de internações e procedimentos que o hospital teria que ofertar à população sem cobrar do Executivo. De acordo com a Secretaria de Saúde de Porto Alegre, uma solução para essa dívida está sendo negociada.
Questionado caso o Beneficência siga o mesmo caminho do Hospital Parque Belém e feche as portas, Erno Harzheim garante que o montante poderá ser recuperado, mesmo que a dívida tenha que ser judicializada.
— Se o hospital não conseguir entregar o serviço contratado, a prefeitura vai transferir a operação para outro prestador — destaca, afirmando que, assim, a população não ficará desassistida.