Prestes a ser votado na Câmara Municipal, um projeto de lei complementar que busca agilizar a poda ou corte de árvores — em propriedades particulares e nas ruas — está gerando reação de ambientalistas, que agouram um "arboricídio". Proposto pelo líder do governo Marchezan no Legislativo, Moisés Barboza (PSDB), ele prevê que cidadãos possam contratar o serviço quando a prefeitura não responder a solicitação em até 90 dias.
A apreciação da proposta estava prevista para segunda-feira, mas, ironicamente, uma árvore caiu no pátio da Câmara no temporal do final de semana, deixando o prédio sem luz. O texto estava também na ordem do dia da sessão de desta quarta-feira (4), mas não houve quórum para a votação. A expectativa é de que o assunto seja tratado na próxima segunda-feira.
Dezesseis entidades, dentre as quais o Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá), a Assembleia Permanente das Entidades em Defesa do Meio Ambiente do RS (Apedema) e a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), juntaram-se para promover um abaixo-assinado contrário à proposta. "Este projeto pode representar um convite ao acinzentamento da cidade, piorando a qualidade de vida da fauna, flora e cidadãos", destaca o texto que antecede a petição na internet.
Paulo Brack, professor da UFRGS e membro da coordenação do Ingá, acrescenta que a proposta pode criar um mercado de licenças privadas para corte e podas. Ele também acredita que a Secretaria Municipal do Meio Ambiente e da Sustentabilidade (Smams) pode acabar perdendo o controle.
— Provavelmente, vai haver mais corte, pois quem tiver mais dinheiro, vai pagar — diz. — Estou vendo um enfraquecimento da Smams.
Ao relatar que Porto Alegre contabiliza a cada ano mais de 3 mil árvores suprimidas, de acordo com estimativas da Agapan, ele ressalta:
— Se está cortando mais do que plantando.
Se em propriedades privadas o manejo de árvores já é de responsabilidade particular — que pode ser feito apenas com autorização da prefeitura —, em árvores que estão locais públicos, como ruas e calçadas, somente o poder público pode intervir atualmente. Moisés Barboza defende que, deixando os moradores contratarem uma empresa cadastrada com Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) para fazer esse trabalho, o projeto desonera o serviço público — segundo a Smams, existem 11 mil pedidos de intervenções na espera.
— É inadmissível que o contribuinte que tem uma árvore na frente de casa, que está causando danos, faça solicitação e fique esperando um, dois anos, até a árvore cair na casa dele — queixa-se o vereador.
De acordo com o projeto, o morador poderá contratar serviço se em 90 dias a prefeitura não lhe atender e, como ressalta Moisés, também não desautorizar a intervenção — se a secretaria se opor, o morador fica impedido de realizar o corte, poda ou transplante. E acrescenta:
— Pelo menos eles (as equipes que autorizam e realizam o serviço atualmente) vão ter um prazo para cumprir. Historicamente, ninguém botou prazo para fazer serviço nenhum.
Questionado se não aumenta as chances de corte de uma árvore centenária ou tombada, ele opina que o risco segue o mesmo de hoje.
— Quem comete o crime hoje, vai cometer amanhã — diz ele, relatando que o responsável técnico pela intervenção poderá ser penalizado se for constatada alguma irregularidade.
De acordo com o próprio autor da proposta, há, inclusive dentro da Secretaria do Meio Ambiente e da Sustentabilidade, técnicos que se opõem a mudança. O biólogo Flávio Barcelos, que trabalhou por 42 anos na seção de arborização e aposentou-se no final do ano passado, acredita que, colocando esse prazo, o projeto coloca a comunidade contra a Smams.
— Sabe o que tem que fazer? Um projeto de lei para a prefeitura contratar o mesmo número de jardineiros que tinha antigamente — diz Flávio, ressaltando que há 30 anos a Secretaria do Meio Ambiente tinha 380 funcionários dedicados à arborização da cidade, número que caiu para 120 em 2009 e para 40 no ano passado.
Barcelos afirma que cabe à prefeitura a responsabilidade de cortar e suprimir árvores porque há uma série de particularidades que precisam ser observadas em cada espécie, e uma poda feita de maneira errada pode matar determinadas plantas.
Por meio de nota, a Smams, pasta do governo que tem Moisés como líder na Câmara, se posicionou: "Propor uma mudança na legislação atual permitirá ao particular contratar profissional capacitado para proceder o manejo da vegetação, destravando os 11.532 pedidos pendentes".
COMO É HOJE
Em locais públicos, como ruas e calçadas, somente o poder público pode fazer podas, transplantes ou cortes. Já em propriedade privada, o manejo é de responsabilidade particular, desde que tenha recebido autorização do poder público.
O QUE O PROJETO PROPÕE
A prefeitura precisaria atender em até 90 dias os pedidos de poda, transplante ou corte de árvore. Se Smams não negar a solicitação e nem responder dentro do prazo, a pessoa fica autorizada a contratar o serviço particular, cadastrado com Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), tanto dentro da sua propriedade, quanto nas ruas da cidade (com exceção de parques e praças).